8 de maio de 2010

20/07/2004 a 08/05/2010

É na mensagem nº 145 que o Uatafak vai dizer o último adeus.
Achei que estava na hora de fazer umas mudanças. Este blog chamou-se Uatafak por não ter um tema específico, uma espécie de "molho" de coisas indeterminadas que me ia apetecendo escrever. Achei que um "What the fuck" à portuguesa ia assentar bem num blog que começou a brincar, mas que, com o passar dos anos, se foi tornando mais sério. É precisamente porque o levo, hoje, tão a sério, que tenho que acabar com ele. Já se afastou do seu propósito inicial, ligeiro e jocoso, e é por isso, e porque não me agarro desesperadamente ao passado ou às memórias, e muito menos a sentimentalismos irracionais, que hoje alegremente anuncio a morte do Uatafak!

Não se fina, no entanto, o meu pobre contributo para a blogosfera.

Muitos já saberão da existência do "Seita de Stanislau", onde passarei a escrever com mais frequência e do qual espero que se tornem seguidores.

Para além disso,anuncio a criação de um novo espaço, onde passarei a escrever os contos que aqui têm lido. Espero que se tornem seguidores do "Anatomia da Insónia"

http://stanislau.blogspot.com/

4 de maio de 2010

XI - Madalena

- A tua mãe?!
- Esconde-te depressa!
- Aonde é que…
- Ali, naquele armário, vai, depressa!!



- Quem é que estava aqui?
- Ninguém! Estava sozinha.
- Estavas?
- Sim. Porquê?
- Por nada.

- Mãe?
- Sim.
- Isto tem que parar.
- Isto o quê?
- Sabes bem do que estou a falar! Tem que haver uma forma de te controlares!
- Porquê? Controlar o quê?
- Essa tua…sei lá…tem que haver uma forma de parares com o que fazes às pessoas.
- O que te acontece a ti se eu te pedir para parares de respirar?
- Sabes bem o que me acontece se eu deixar de respirar, que raio de pergunta…
- E tu sabes bem o que me acontece se isto parar, sabes que respiro os desejos das pessoas, é disso que vivo.
- Mas tens que fazer mal às pessoas?
- As pessoas é que fazem mal a elas próprias, as pessoas e os seus desejos ridículos!

- Mas não sei quanto tempo mais vou aguentar isto mãe!
- Não sabes?
- Não! Isto tem que parar!
- Há uma forma…
- Do que estás a falar?
- Diz ao teu amigo Gabriel para sair do armário que eu já te explico!
- O quê, mas como sabes…
- SAI JÁ DO ARMÁRIO!!!



- Ok, não faça mal à Madalena, está a ver, já estou a s…mas…


- Onde está a tua mãe?
- Aqui, à tua frente, seu inútil!
- Mas, Madalena, a tua voz está diferente!
- Não Gabriel, eu estou aqui…
- Mas…a tua voz e a da tua mãe saem ambas dos teus lábios! O que raio vem a ser isto?!
- CALA-TE IDIOTA!
- Não mãe! Não faças isso!!


- Porque tinhas que fazer isso mãe?!
- Já vais perceber! Não te querias livrar de mim?
- Sim, mas não tinhas que o pôr inconsciente!
- Cala-te. Deixa-me atá-lo! Vamos deitá-lo aqui…



- Gabriel! Gabriel! Acorda!
- Hmm…aiii…onde é que eu estou?
- Acho que sabes bem onde estás imbecil!
- Madalena? Eu sei que estás aí Madalena! Mas…porque é me ataram…deixem-me ir embora!
- Gabriel, desculpa, não a posso impedir…
- Tens que lutar contra ela, Madalena, tens que…
- CALA-TE! Tu é que quiseste isto…
- O que é que vais fazer?!? Larga-me!
- O que é que vou fazer? Ah! AH! Acho que sabes Gabriel, sonhaste com isto!
- NÃO! NÃO!
- Não resistas, vais ver que vais gostar!






- Ele faz isto todos os dias. Já viste?
- Quem?
- Aquele rapaz…
- Faz o quê?
- Passa aqui em frente ao café…
- Não sabes quem é, Helena?
- Não, só sei que passa aqui todos os dias…
- Chama-se Gabriel, dizem que matou os pais, mas nunca ficou nada provado. É o que se diz aí na terra.
- Sabes que as pessoas conseguem exagerar quando querem, Liliana.
- Pelo sim, pelo não é melhor deixares o maluquinho do monte em paz.
- Do monte?
- Sim, é onde ele vive…


- Liliana, não tens curiosidade de saber aonde ele vai todos os dias?

FIM

3 de maio de 2010

X - Madalena

- Não compreendo…ahh…desculpa, mas nem sei como te chamas…
- Madalena.
- Bom, Madalena, não entendo…o que me queres contar sobre a tua mãe?
- A minha mãe é bem mais velha do que parece.
- Sim, isso já percebi, quer dizer…percebi que parece demasiado nova para ser tua mãe!
- Pois, mas quando digo mais velha, quero dizer, bem mais velha…
- Como assim?!
- A minha mãe tem cerca de 200 anos!


- Desculpa, mas…mas…só podes estar a delirar, se achas que eu vou acreditar num absurdo desses…
- Não é absurdo nenhum! Não sei porque ainda perco tempo a falar contigo…
- Como queres que eu acredite nisso?
- Se não confias em mim não faz sentido estarmos a ter esta conversa…
- Bom, vamos supor que acredito…posso-te pedir algumas explicações?
- Depois do que aconteceu ao avô do Carlos, acho que te devo algumas, sim…
- Bom, então vamos começar por aí, já que tocaste no assunto…
- Foi a minha mãe que o deixou naquele estado…
- Naquele estado!?!?! O que é que raio ela fez? Ele estava azul!!
- A minha mãe só faz aquilo que querem que ela faça!
- Estás a dizer-me que o velhote queria ficar azul e morrer?
- Não! Estou a dizer que o velhote quis deitar-se com ela…
- Uhhh! Deitar-se?! Só de pensar nisso…que nojo…
- Gabriel! Peço-te que leves esta conversa muito a sério...as nossas vidas dependem disso!
- Dependem? Porquê?
- Já lá vamos. Não querias saber do velhote?
- Queria…vá continua.
- O velhote quis deitar-se com ela e no momento em que acabou, sentiu-se tão bem que imaginou que se morresse naquele momento, morreria feliz. A minha mãe só tornou realidade o que ele imaginou.
- Mas ela não o deixou morto, ele ainda chamou pelo Carlos!
- Eu cheguei antes dela acabar…
- Tu?!
- Sim, não percebes?
- O que é foste lá fazer?
- Ainda não percebeste que eu tenho andado estes anos todos a esforçar-me por controlar a minha mãe?! Quem achas que ia visitar perto do cemitério?
- Mas não havia lá nada!!
- Não soubeste procurar. A minha mãe tem estado enfiada num poço que ali está, há mais de 20 anos.
- Porquê?
- Foi nessa data que matou o meu pai. Toda a gente falou disso aqui na terra. Não sei como não sabes dessa história…
- Não, nunca tinha ouvido. Então, mas não percebo porque queriam que me afastasse de ti, se foi ela…
- Toda a gente diz que eu estou amaldiçoada, que enlouqueci os dois e que por isso ela o matou. Todos acham que se matou de seguida.
- Então e porque a escondeste no poço?
- Era uma forma de a proteger também …e de proteger o resto da aldeia…
- Pelos vistos não correu muito bem ultimamente…
- E a culpa é inteiramente tua!
- Minha?!?!
- Sim, se não me tivesses seguido ela não tinha saído de lá, tive que esperar que vocês não estivessem a ver para entrar. Entrei tarde de mais…
- Mas que raio…o que é que a tua mãe é afinal?! É algum bicho?
- A minha mãe é um demónio, se lhe quiseres chamar assim…
- Um demónio?! Bem, já nada me espanta.
- Não sei como lhe hei-de chamar de modo a que percebas, por isso chamo-lhe demónio. Ela tem a capacidade de se tornar tudo o que desejas…o problema é que não controlamos os nossos desejos…e tu sabes bem que não…
- Não percebo, qualquer pessoa controla os seus desejos…
- Mentira. Tu podes forçar-te a ti próprio a desejar alguma coisa…mas não vem do teu íntimo, e um demónio como a minha mãe cheira essa diferença como um cão de caça…
- Então mas não percebo, quando eu vim a tua casa a primeira vez…
- Desejaste ver-me nua, e foi isso que viste. Na verdade era ela quem estava à tua frente…
- Que vergonha…
- Não te preocupes, eu compreendo. A maior parte das pessoas nem imagina quais são os seus desejos mais íntimos até os ver materializados à sua fren…
- Eh pá, o que foi isto?
- Shhhhhh!



- É a minha mãe!!

2 de maio de 2010

IX - Madalena

- “Valeu a pena”. Mas que raio queria ele dizer com isto?
- Não sei, Carlos. Mas vou descobrir.
- Como? O homem está morto…
- Vou falar com ela outra vez. Ela tem alguma coisa a ver com isto. Tenho a certeza...
- Amigo, vê lá no que é que te metes.
- Devo-te pelo menos isto. Já que sou responsável por isto.
- Não deves nada. Não ligues ao que disse a minha mãe, ela está, obviamente, transtornada com tudo isto.
- Carlos, agradeço a tua compreensão, mas tenho que fazer isto...e já sabes, se me acontecer alguma coisa…
- Cala-te! Nem quero pensar nisso…
- Se me acontecer alguma coisa, sabes aonde é que eu fui.



Naquele dia Gabriel subiu o monte a correr, sem que o cansaço ou o medo o atingissem. Tinha uma missão. Sentia-se na obrigação de remediar o mal que havia causado a pessoas inocentes. Sentia o vento fustigar-lhe a face, cada vez mais forte. Sentiu que uma lágrima de raiva forçava a fuga do seu olho, mas conteve-a. Não se perdoava a si próprio. A voz da Dª Conceição teimava em permanecer-lhe na memória. Quando finalmente avistou a casa verificou, com espanto, que ela já o esperava, à porta. A raiva que sentia, estranhamente, dissipou-se à primeira vista dos olhos daquela mulher. Ela convidou-o a entrar e ele, embora não quisesse fazê-lo, anuiu. Perplexo, verificou, após alguns minutos de conversa, o quanto tinha andado enganado. A mulher que tinha visto nua, não era aquela que ali estava. A mulher que tinha visto no seu sonho, não era aquela. Tentou perceber, em vão, a sua confusão. Quem era afinal a mulher que estava à sua frente e quem era, afinal, essa outra mulher?

- Não entendo.
- Admito que seja difícil para ti, Gabriel.
- Na verdade, acho que até faz algum sentido…
- A pessoa que viste nua, aqui em casa, não era eu…
- Mas era igual a ti, eu vi…
- Viste o que quiseste ver…
- Como assim…
- A pessoa que viste é a minha mãe!
- Impossível! Não pode ser!
- Não só pode, como é…
- A tua mãe não pode ser tão nova…
- Bem, Gabriel, há algo que tenho que te contar acerca da minha mãe…

29 de abril de 2010

VIII - Madalena

- Então Mãe, como é que ele está?

- Mãe?
- O que é que ele está aqui a fazer?
- Quem?
- O Gabriel! Isto é tudo culpa dele!
- Oh Mãe, o que é que estás a dizer? O Gabriel não tem culpa!
- Tem! Tem e muita! Isto é obra daquela bruxa maldita e se ele a tivesse deixado em paz…
- Desculpe, Dª Conceição, eu acho que está a exagerar…mas agora não é hora de falar disto, o Carlos devia ir falar com o avô…
- Falar?! Falar, Gabriel!?! Ele acabou de morrer!


- Porra, não cheguei a tempo.

- Mãe, talvez não seja a hora mais indicada, mas sabes o que é que o avô me queria dizer?
- Não. Ele não disse a ninguém. Só queria falar contigo.
- Posso ir vê-lo?
- Podes, está no quarto.
-O Gabriel vem comigo!
- NÃO! Ele não tem…
- Mãe! Por amor de Deus. Ele não tem culpa nenhuma! Ele vai comigo! Anda Gabriel.


- Bolas! Gabriel, alguma vez viste uma coisa assim?
- Não. Ele está azul! Não morreu assim há tanto tempo!
- Pois não. Que imagem estranha…
- Mas há outra coisa, já reparaste?
- O quê?
- Olha bem para ele. Tenta lembrar-te do teu avô ontem e olha para ele hoje. Que diferença vês?
- Queres dizer… hmmm… para além de estar todo azul?
- Esquece a cor dele… não notas mais nada de diferente?
- Ehhh, pá, pois é!!
- Como é que isto é possível?
- Não sei, mas achas que tem alguma coisa a ver com ela?
- Só pode ser, Carlos, acho que a tua mãe tem razão, a culpa é toda minha…
- Cala-te! Esquece isso! A culpa não é tua. Pode até nem ter sido ela, sei lá…
- Achas mesmo? Deixa-me ver…bom…o teu avô está todo azulinho, o que até se podia explicar pelo facto de estar morto, o que mesmo assim seria um pouco rebuscado, não? Agora, como é que explicas o facto de ele estar, para aí, sei lá, uns 20 anos mais novo?!!
- Eia, que exagero…
-É? Olha bem para ele, toca-lhe!
- Ok…pronto…admito…ele está muito mais novo.
- Está, mais novo e morto…
- Pois.
- E não deve ter sido uma morte fácil, já viste bem a cara dele…
- E as mãos? Estão cerradas, como se estivesse a fazer força, olha ali!
- Pois é…


- Carlos?
- Sim…
- Já viste a mão esquerda dele?
- O que tem?
- Parece que está a segurar qualquer coisa. Vê lá o que é.
- Eu? Não lhe vou mexer!!
- Porra, maricas! Eu vejo então…


- Olha, é um papelinho…tem o teu nome Carlos!
- Dá cá!
...
- O que é que diz? Carlos? O que é que diz…
- É estranho…só tem uma frase…
- O que diz?
- Está um bocado tremido mas acho que diz:

“Valeu a pena”

28 de abril de 2010

VII - Madalena

- E então?!! O que é que acontece? O que é que vês?
- Vejo uma mulher horrível, roxa, podre. Ela está morta, Carlos, no meu sonho ela está morta. Está gelada, em putrefacção e continua a mover a cintura em cima de mim. Há pedaços dela que caiem no chão, tufos de cabelo que voam para cima da minha cara. Lembro-me de sentir, no meu sonho, uma sensação de asco como nunca senti na minha vida. Lembro-me de sentir o vómito subir-me até à boca, as náuseas a invadirem-me as narinas já repletas do cheiro da putrefacção…
- Porra! Pára que ainda me estrebucho todo! Que nojo!
- Nojo?! Então o que hei-de dizer eu? Não imaginas, foi tudo tão real que ainda consigo sentir o cheiro, acreditas?
- Sei lá eu em que é que acredito. Já não sei nada.
- O que é que será que significa este pesadelo? Porque é que o tive? Isto tem que significar alguma coisa!
- Significa, pelo menos, que andas a ficar um bocado doentio. Ainda não acredito que te vieste com um sonho desses…
- Oh Carlos, porra! Estás a estranhar-me? Eu não faço ideia de como é que isso aconteceu, se calhar até sonhei com outra coisa qualquer que não me lembro!
- Então e agora, vais voltar a casa dela ou não?
- Agora, sinto que tenho que lá voltar, mais do que nunca!
- Estás doido?! Eu é que não punha lá os pés.
- Também não te estou a pedir que venhas!
- Vou lá e é hoje!

- Olha, Carlos, não é o teu primo que vem lá a correr?

- Carlos!! Carlos!! Ainda bem que te encontro aqui, pá! Tens que vir comigo!
- Calma, João, respira! O que é que se passa?
- É o avô, tens que vir comigo, é o avô…
- O que é que tem o avô?! Diz de uma vez!!
- Ele…ele…ele está a morrer...encontraram-no já quase sem vida em casa…
- Mas como? O que é que aconteceu?
- Ainda ninguém percebeu…quando lá chegares percebes porquê! Agora vem!! Ele disse à tua mãe que não queria morrer sem falar contigo! Despacha-te!
- Gabriel, tenho que ir, depois falamos!
- Isso é que era bom. Vou contigo!

27 de abril de 2010

VI - Madalena

- NÃO! NÃO! LARGA-ME! SOCORRO!
- Foste tu que pediste isto! Não me largaste durante dias e agora pretendes que te largue!
- Desculpa! Desculpa! Por amor de Deus, deixa-me sair daqui!
- Deus?! Deus não entra nos sítios onde estou. Ah! Ah!
- LARGA-ME! NÃO!



- Gabriel?! Gabriel!
- Hmmm!?
- O que se passa filho?
- Não sei bem, mãe. Acho que tive um pesadelo, foi só isso…
- Pesadelo!? Eh! Eh! Mas que belo pesadelo, já viste bem o estado da tua cama?
- Oh, merda! Desculpa, mãe, não sei como é possível…
- Não te preocupes filho. Sonhos molhados são normais na tua idade.
- Destes não mãe, destes não…



- Um sonho molhado? Tu andas todo marado pá!
- Mas, Carlos, não estás a ver…foi horrível. Um pesadelo dos piores que já tive!
- Gabriel, as pessoas transpiram, saltam e até caem da cama durante os pesadelos, mas não se vêm! Essa é das melhores que já ouvi…
- Estás a gozar porque não foste tu…
- Pois não! Não fui eu que tive o pesadelo. Também não fui eu que fui a casa dela e não fui eu que me lembrei de andar a perseguir a bruxa pela aldeia. Julgo que isto é bastante esclarecedor para ti, não?!
- Já percebi onde queres chegar…mas ainda não é suficiente para me arrepender do que fiz, e ainda não estou bem certo de que o teu avô tenha realmente motivos para dizer o que disse…
- E ele insiste, meu Deus!
- Agora só queria perceber este pesadelo…
- Mas conta lá…ainda te lembras?
- Perfeitamente. Estou no meu quarto a tentar dormir e de repente acordo em casa dela, deitado no chão, nu. Tenho as mãos e os pés atados. Inclino a cabeça para trás e vejo que ela se aproxima, descalça. Coloca-se de pé, com as pernas abertas por cima do meu corpo. Consigo perceber que ela não traz roupa interior. Coloca o pé direito no meu peito e começa a deslizar o pé até ao meu pescoço. Depois, sorri e com o pé toca-me os lábios, em movimentos circulares. Eu pergunto o que está a fazer e porque estou ali e ela não me responde. Sorri apenas. Depois, faz descer o pé pelo meu corpo até alcançar os genitais. Começa a massajar-me lentamente. Eu peço para ela me soltar e ela ignora-me, é como se não me ouvisse.
É então que se despe, deixa cair o vestido sobre a minha cara e eu neste momento não consigo ver nada. Sinto-a sentar-se em cima de mim e sinto-me entrar dentro dela. Começa a mexer-se em movimentos circulares com a cintura. Nesta altura começo a sentir um calor infernal…quero tirar o vestido de cima da minha cara e não consigo. Sinto que as luzes na casa baixaram a intensidade e não percebo porquê. De repente sinto que a zona dos meus genitais fica gelada, não sinto o mesmo calor, é como se tivesse o pénis coberto de gelo. É aí, precisamente nesta altura, que ela remove o vestido da minha cara…e o que eu vejo…meu Deus, Carlos, o que eu vejo…

24 de abril de 2010

V - Madalena

- Nua!??
- Sim, nua.
...
...
- Importas-te de fechar a boca? Ainda ficas com o maxilar paralisado.
- Porque raio é que ela andava nua?
- Não sei. Estava em casa dela...tem esse direito.
- Ok. Mas e depois...
- Depois foi muito estranho..quando finalmente eu decidi bater à porta ela mandou-me entrar antes de eu bater...parecia que sabia que eu ali estava...
- Porra. O meu avô lá há-de ter motivos...
- Cala-te com o teu avô! Já chateia essa conversa! Posso continuar, ou não?
- Vai, continua...
- Estive a falar com ela e ela pediu-me para a deixar em paz...para parar de a seguir.
- Então sempre nos viu?
- Claro. Disse que era para o meu bem...
- E se calhar é mesmo melhor fazeres isso.
- Mas sabes o que é incrível?
- O quê?
- Ela é a mulher mais bonita que já vi em toda a minha vida...
- Hmm?!?! Tens a certeza que estamos os dois a falar da bruxa?
- Devias tê-la visto como eu vi...aqueles olhos, o corpo, a pele...bem...ela é qualquer coisa, Carlos!
- Estou parvo! Então mas conta mais, foi só isso?
- Não. Esta foi a parte boa.
- Então? Há uma parte má?
- Antes de eu sair, ela adoptou uma postura agressiva, quase a expulsar-me...
- E depois? Estavas a espreitá-la nua, cromo!
- Não é isso. Ela sabia que eu estava lá fora, deu para perceber isso. Foi outra coisa. Foi diferente!
- E tu? Vieste embora?
- Antes de eu sair ela fez-me prometer duas coisas: não contar a ninguém o que se tinha passado e não olhar para trás...
- E tu olhaste?
- Não resisti...
- E então? O que aconteceu...
- Vi uma coisa que nunca pensei ver na vida...
- O quê? Porra, desembucha!
- Não vais acreditar, mas quando eu olhei para trás...
...
...
- ...não aconteceu rigorosamente nada! Ah! Ah!
- Oh! Vai-te lixar! Que piada é que tem isso?
- Havias de ver a tua cara...que cromo!
- Olha, ó palhaço, fora de brincadeiras...vais lá voltar?
- Planeio fazê-lo, mas não hoje, ela pediu-me...
- Por falar no diabo...
- Olha, ela vem lá. Não pensei que voltasse ao ritual tão depressa...
...
...
...
- Oh Gabriel,acho que ela vem para cá!
...
...
- Olá, então decidiste voltar a...
- Cala-te Gabriel!
- Como é que sabes que me chamo...
- Sei mais do que imaginas. Quebraste as duas promessas que me fizeste, não tinhas esse direito...
- Mas...mas...não percebo...
- Pois não. Não percebes. Agora nada mais será como dantes...
- Do que estás a falar?
- Não devias substimar o que não entendes. E tu Carlos...
- Hmm!!??! Eu!!?
- Devias dizer ao teu avô que ele não sabe do que fala...
...
- Olha, eu falhei contigo. Tens razão quebrei as promessas, mas não precisas de ficar assim. Prometo que te vou deixar em paz...
- É tarde demais para isso, não percebes...é tarde demais!
- Tarde demais porquê?
- Vais ter que te preparar para as consequências...atiraste uma pedra para o charco...tem que haver ondas.
- Mas não percebo...quando olhei para trás não vi nada...
- Viste o que quiseste ver. Olhaste mas não viste para além do teu olhar.
- É um pouco difícil para mim perceber o que...
- Vais perceber. Só te vim avisar, por cortesia, que a partir de hoje a tua vida mudou. Adeus.
- Não vais voltar a ver-me, prometo-te. Vou deixar-te em paz...
- Duvido. Vais ver-me, e muitas vezes...nem imaginas quantas!

22 de abril de 2010

IV - Madalena

Isto ontem à tarde parecia muito melhor ideia...
...
Agora já não me parece tão fácil.
Ai, onde é que me vim meter. Podia ter vindo de tarde, mas não, não senhor. Tinha que decidir vir de noite, para não ser visto. Armado em espião e agora só não me borro todo se não calhar. O Carlos se calhar tinha razão...Mau! Recompõe-te! Também não há-de ser nada do outro mundo. O mais certo é não ver nada de especial. No final das contas, é só uma mulher igual às outras...
Oh! Quem é que eu quero enganar, sei bem que se fosse igual às outras não estava aqui agora a subir o monte. Monte, que de resto, parece que nunca mais acaba. Chiça! Já estou cansado. É tudo a ajudar...
...
...
Olha, lá está a casa...lá de baixo parece bem mais pequena, e bem menos assustadora...
...
Uma janela...e há luz lá dentro...
Porra, tenho as pernas a tremer. Calma. Calma.
...
...
Não se vê ninguém...a mesa está posta só para uma pessoa...que pelos vistos já jantou...mas onde é que ela está?
Olha...vem lá gente...é ela...mas...
...
...mas ela está...nua...
...
...não pode ser...como é que é possível...
...nem parece a mesma...esta mulher é...linda...é...bem...mesmo muito bonita...
...
Mau! Concentra-te Gabriel...vieste cá para falar com ela...concentra-te...olha, foi lá para dentro outra vez...
...
...
Bom. Já se vestiu...que chato...hmmm...bem, quer dizer...que bom...assim já posso falar com ela...
...
É agora. Tenho que bater à porta...
...
Vá, bate à porta...não custa nada...
- PODES ENTRAR! ESTÁ ABERTA!
??????
- EU SEI QUE ESTÁS AÍ À PORTA! VAIS FICAR AÍ A NOITE TODA?
...
- Hmmm, bem, peço desculpa...com licença...boa noite!
- Não és muito discreto sabes?
- Eu peço imensa desculpa, não era minha intenção estar a espreitá-la...bom quer dizer...eu não estava a espreitar no sentido de...bom...espreitar...estava só a ver se estava em casa e...hmmm...eu não imaginava que ia estar assim...
- Assim como?
- Assim...bem...despida...
- Eu não estava despida!
- Mas eu vi, pela janela...eu vi que...
- Viste apenas o que querias ver...
- Não percebo...
- Não percebes hoje...mas hás-de perceber....o que é que queres?
- Queria falar consigo...
- Porquê?
- Não sei bem...
- Sabes, sabes...
- Hmm?
- Não insultes a minha inteligência...andas a ver tudo o que faço à dias...quero que pares de me seguir...
- Não é bem seguir, é só porque...
- Para teu bem...é melhor parares de me seguir...
- Deixou de passar pelo café e eu pensei...
- Eu sabia que se deixasse de passar pelo café alguns dias...acabarias por procurar-me...
- Pois. Eu queria pedir desculpa...
- Já é a terceira vez que te desculpas...és assim tão culpado?
- Como?
- Deixa-me em paz. O teu amigo foi mais sensato do que tu...
- Ele não ia aguentar vir até aqui...
- E tu, achas que aguentas?
- Acho que a queria conhecer...é só isso...
- É melhor que isso não aconteça. Acredita.
- Não percebo...não percebo...porque é que passa na rua toda desgrenhada...cabisbaixa...com uma roupa sempre suja e velha...e aqui, em casa, não parece a mesma. É uma mulher bonita, com um cabelo ruivo lindo e uns olhos...bem...uns olhos verdes do mais bonito que já vi...e...bem...desculpe...estou a entusiasmar-me...
- Isso tem uma explicação simples. Faço isso para não me chatearem na rua, mas infelizmente, parece não funcionar com toda a gente...
- Porque não quer que falem consigo?
- Não sabes da história, pois não?
- Qual história?
- Eu logo vi...
- Mas que história?
- História nenhuma. Não achas que está na tua hora...
- Bem...
- Acabou-se a conversa...vai-te embora.
- Tudo bem...eu só...
- Quero que saias já. É importante que ao saires não olhes nunca para trás...percebeste?
- Não percebo porquê, o que é que...
- PERCEBESTE OU NÃO?
- Ok. Já percebi.
- Também não quero que fales disto a ninguém...
- Tudo bem, não contava fazê-lo...mas...posso voltar amanhã?
- Não. Amanhã não!
- Então quando?
- Voltas quando achares que deves voltar...
- Acho que podemos vir a ser amigos...
- Acho que vais mudar de ideias...agora vai!

21 de abril de 2010

III - Madalena

- Gabriel?
- Sim.
- Reparaste que ela não passa há dois dias?
- Reparei.
...
- E não achas estranho?
- Oh Carlos, claro que acho. Significa que nos viu de certeza...
- Também, o que é que isso interessa? Querias ir ver onde ela ia e fomos ver. Agora acabou.
...
- Certo Gabriel?
- Hmm?
- Ouviste o que eu te disse?
- Não, desculpa.
- Estava a dizer-te que já viste onde ela ia todos os dias...já podes tirar daí o sentido.
- Achas? Viste para onde ela foi? Eu não!
- Porra, Gabriel. Ontem fomos lá os dois e viste o mesmo que eu...
- Vi. Vi "merda nenhuma"!
- Então, que culpa tenho eu se não havia lá nada!
- Não percebes? Como é que explicas que ela se tenha evaporado em segundos? Como é que explicas que ela passe todos os dias e que nunca a vejas voltar? Como é que explicas que ela vá todos os dias olhar para um monte de ervas?
- Sei lá!
- Não sabes? Então eu digo-te o que aconteceu.
- Então?
- Ela percebeu muito cedo que a estávamos a seguir. Fez aquilo que faz sempre. Ficou à espera do momento certo e quando entendeu que queria fazer o que faz sempre...olhou para trás.
- Não estou a perceber...
- Oh, Carlos, ela sabia perfeitamente que logo que se virasse nós íamo-nos baixar instintivamente. Seria um reflexo inevitável de duas pessoas que sentiam que estavam a fazer algo de errado: a invadir a privacidade de terceiros. Esse seria então o momento ideal para ela fazer o que fez sem percebermos como o fez.
- Mas podia apenas ter voltado para trás, e nós ficávamos a saber o mesmo.
- Pois, é isso que me está a intrigar, eu acho que ela quis que ficássemos assim, perplexos.
- Eu nem estou a acreditar...
- Mas por outro lado, estou chateado comigo próprio. Eu não queria interferir com este ritual dela e agora estraguei tudo. Eu não tinha o direito...
- Eh lá, não achas que estás a ser um bocado...
- Não! Não acho. Aliás, ficas a saber que pretendo pedir-lhe desculpa.
- O quê? Olha, é melhor sairmos daqui...acho que já apanhaste sol a mais na cabeça...
- Tenho que falar com ela...
- Ouve, não contes comigo para mais nada...não sei o que estás a pensar fazer mas estou fora.
- Tudo bem. Aquilo que eu vou fazer, prefiro fazer sozinho...
- O que é que vais fazer pá? Lembra-te do que disse o meu avô, ela não deve ser bem flor que...
- Vou a casa dela.
- ???
-Não olhes para mim com essa cara. Esta noite vou a casa dela. Está decidido.

19 de abril de 2010

II - Madalena

- Não acredito que me convenceste a embarcar numa coisa destas. Se contas a alguém que fizemos isto eu nego tudo...
- Ó Carlos, se é para estares com essas merdas é melhor não vires...
- Tudo bem, eu vou, mas que é uma estupidez, não tenhas dúvidas que é. Pode ser que sempre dê para umas gargalhadas!
- Goza à vontade. Mas goza tudo agora, porque depois dela passar não quero nem mais um pio, se não vou sozinho.
- Oh, Gabriel, agora a sério, queres mesmo fazer isto?
- Não tínhamos já decidido?!
- Eh pá, tínhamos, mas depois do que o meu avô me disse...
- Vais desistir?
- Não. Claro que não.
- O teu avô só confirmou o que a minha avó já tinha dito: que não nos devemos aproximar dela.
- Sim, mas o que vamos fazer hoje não vai bem ao encontro do que nos disseram...
- Porra! O grande Carlos está com medo?!
- Cala-te. Não tenho medo. Já estou é a ficar farto de estar à espera!
- Isso já te passa. Olha quem vem lá...
- Ouve, Gabriel, eu nunca tinha reparado, mas ela é mesmo esquisita. Olha para aquele cabelo todo desgrenhado...nem dá para ver de que côr é...já viste?
- É ruivo, côr de fogo. Agora cala-te!
...
...
...
- Vamos lá então?
- Espera Carlos. Queres que ela nos veja?
...
...
- Vamos agora, anda!
- Eu vou-me arrepender tanto disto...
- Ainda estás a tempo de ficar ali sentado!
- Já não está cá quem falou.
...
...
- Eh pá, ela anda bem depressa!
- Achas que ela vai para o cemitério? Vai nessa direcção...
- Espero bem que não. Não consigo tirar da cabeça a cara do meu avô. Parecia que a mulher era o "demo" em carne e osso!
- Credo! É só uma mulher...
- Olha! O corte para o cemitério é já ali...
...
...
- Mas ela não vai para lá, seguiu em frente. Confesso que estava com esperança que ela fosse todos os dias visitar um familiar falecido...
- Pois, Gabriel, mas a não ser que o familiar viva ali no meio do pinhal, não me parece que seja isso que ela venha cá fazer...
- O que é que raio ela vai fazer para o meio daquele pinhal, não há ali nada...
-...nada de bom, seguramente. Pelo menos que tu saibas...e eu...
- Abranda um bocado, ali no pinhal não vai ser tão fácil passarmos despercebidos...
- Vamos por aqui mais chegados para as moitas, sempre ficamos um pouco escondidos...
- Olha, ela cortou ali à direita, vai já a direito por aí se não ainda a perdemos...
- Ok. Tem calma.
- Fala baixo, pá!
...
...
...
Olha...ela parou ali...vamos aproximar-nos...
...
...
...
- Esconde-te aí atrás...
...
- Ela está ali especada há pelo menos um minuto...o que é que será que está a ver...
- Não sei. Vejo tanto como tu, ela está de costas...
...
...
- Merda! Baixa-te!
...
...
...
- Achas que ela nos viu?
- Não sei, mas virou-se mesmo para nós! Será que sabia que aqui estávamos?
- Claro que não. Ela nunca nos viu, como é que podia saber...olha vou espreitar...ver se ainda está a olhar para aqui...
...
...
...
- Olha! Para onde é que ela foi?!! Levanta-te Carlos, ela desapareceu. Porra, pá! Baixámo-nos quê, dez segundos?!
- Mas para onde teria ido? Nem há ali sítio para se esconder!!
- Não sei. Pode muito bem estar a ver-nos neste preciso momento...
- Achas?!
- Na verdade, não. Acho que queria ir para algum lado e foi. Nós é que ficámos sem saber que sítio é esse...
- Vamos embora, Gabriel, já não estamos aqui a fazer nada e entretanto é de noite...
- Vamos já...
- Não me vais dizer que queres ficar à espera que ela volte...
- Não, porque ela nunca volta...pelo menos pelo mesmo caminho...

18 de abril de 2010

I - Madalena

- Ela faz isto todos os dias. Já viste?
- Quem?
- Aquela mulher...
- Faz o quê?
- Passa aqui em frente ao café...
- Nunca reparei. Mas não sabes se faz isso todos os dias, tu não estás no café todos os dias...
- Oh, que piada tão linda...tu percebeste o que eu queria dizer...
- Sim, percebi. O que não percebo é o teu interesse naquela mulher. És capaz de me explicar?
- Não. Não se trata de interesse. Só acho curioso que, dia após dia, ela passe aqui à mesma hora...
- É, muito curioso! Não tens mais nada em que pensar?
- Eh pá. Não se te pode dizer nada, começas logo a chatear...
- Ok, ok, não te enerves...não te chateio mais. Fala lá da bruxa à vontade...
...
...
- Não nego que gostava de saber onde vai ela todos os dias...
- Eu nunca a vi a não ser aqui a passar. Nem sei se é aqui da aldeia...
- Vive no topo do monte seco..
- Aquele casebre lá em cima?
- Sim. Vive lá sozinha, tanto quanto se sabe...
- Sabes muito acerca dela, estás mesmo apanhadinho...
- Tá calado, qual apanhadinho qual quê...
- Então como é que sabes isso tudo?
- Perguntei à minha avó se a conhecia...
- E?
- E ela chateou-se e disse-me para eu esquecer e não me meter na vida daquela mulher...
- E não te disse nada?
- Disse. Depois de muito insistir lá me disse que ela vivia no casebre do monte sozinha e que eu me devia manter longe dela...
- Eh lá, a tua amiga deve ser brava, a tua avó não te quer perto dela! Eh! Eh!
- Eh pá, não se consegue falar a sério contigo...vai-te lixar!
- Pronto, ok! Porra, hoje estás mesmo um careta pá, não se pode brincar.
- Estás só a gozar...e isso chateia quando se quer falar a sério...
...
...
- Ok, Gabriel, olha, para te provar que sou teu amigo, vou perguntar ao meu avô se sabe alguma coisa sobre ela, ok?
- Fazias isso?
- Claro. Já vi que está a levar isso muito a sério. Quero que tires isso da cabeça de uma vez por todas.
- Obrigado pá, mas sabes, precisava que fizesses outra coisa por mim...
- Mau, vem aí merda...o que é que precisas?
- Carlos, amigalhaço, companheiro...
- Eh pá, o que é que me vais pedir puto...diz logo de uma vez!
- Amanhã vens comigo...
- Aonde?
- Vamos segui-la!

16 de abril de 2010

VI - Um miúdo normal.

- Carvalho! CARVALHO!
- Sim.
- Eh pá, tira-me daqui esta gente, já chega de palhaçadas...
- É para já, inspector.
...
- Então, Torres, o que é que temos, até agora?
- Está preparado, inspector?
- Torres, Torres, já nada me surpreende.
- Eu sei, mas isto é diferente.
- Ok. Sou todo ouvidos.
- Tudo indica que foi o miúdo...
- O quê?! Que idade tem o miúdo?
- 14.Os vizinhos afirmam que era um miúdo normal...
- Estás a querer convencer-me que um miúdo de 14 anos esquartejou o pai e a mãe sem que nenhum deles o conseguisse impedir?
- Como lhe disse, inspector, os indícios apontam para isso, mas ainda estamos a explorar outras hipóteses.
- O que é que te leva a pensar assim?
- O miúdo é o único que não foi esfaqueado e existem pegadas de sangue desde a sala até ao quarto, onde o garoto foi encontrado sem vida.
- Causa da morte?
- Não faço ideia. É como se simplemente tivesse deixado de respirar durante o sono. Já pedi um exame toxicológico...
- Mas isso não prova que foi ele. Ele podia ter vindo para junto dos pais ao vê-los caídos.
- Olhe para o cabo da faca, tem sangue em todo o lado menos no sítio onde a mão agarrou a faca. Já viu o tamanho da mão?
- Ok. Bom, então vamos pensar num cenário. O corpo do pai está caído numa zona onde não há nada para se estar sentado, nem tão pouco há sinais de que tenham arrastado o corpo para ali, logo, vou deduzir que ele estava de pé quando foi atingido.
- Também pensei nisso...o que me leva, mais uma vez, a pensar que foi o miúdo...
- Porquê? O miúdo é baixo para a altura a que foram desferidos quase todos os golpes.
- Acho que o cenário mais provável é que o pai se tenha baixado, ou ajoelhado para falar com ele...
- Talvez para demovê-lo, se ele já estivesse com a faca na mão?
- É exactamente o que eu penso.
- Muito bem, e a mãe? Pelo que vejo parece-me que foi apanhada enquanto tentava fugir...
- Sim, ela quase chegou à porta...
- Porra, Torres, e o miúdo apanhou-a? O corpo do pai apresenta pelo menos, assim à primeira vista, eu diria, cerca de 10 ferimentos de faca, não? Isso demora tempo a fazer. A mãe teve tempo de fugir...
- Bom, aí está outro aspecto intrigante...
- Então...
- Numa primeira análise, repito, numa primeira análise, porque temos sempre que aguardar pelas autópsias do...
- Porra, Torres, poupa-me a essas merdas, desembucha!
- O Dr. Raúl, da medicina legal, acha que o pai foi morto logo no primeiro golpe em cheio na jugular. Todos os outros golpes já foram "post mortem".
- Porra! Mas e mãe?
- A mãe foi apanhada pelas costas quando tentava sair, com uma facada bem funda na omoplata.
- Mas como é que o miúdo conseguiu correr...
- Ele não correu, inspector, ele atirou a faca do sítio onde estava. Só depois veio ter com ela e acabou o serviço.
- Ok, estou surpreendido...que miúdo é que consegue fazer isso? Ele está no quarto?
- Está, vamos até lá...
...
...
- Não acredito. Este miúdo não pode ter feito isto...
- Eu sei inspector, mas concorda que é difícil encontrar outra explicação. Não vejo o que...
- Eles só tinham um filho?
- Sim, porquê?
- Animais de estimação?
- Zero, porquê?
- Não está a ouvir este barulho?
...
...
- Tem razão, acho que vem do guarda fatos...
- QUEM QUER QUE ESTEJA DENTRO DO GUARDA FATOS SAIA JÁ DE MÃOS NO AR, NÓS SOMOS DA POLÍCIA JUDICIÁRIA, SAIA JÁ DE MÃOS NO AR!
...
...
- Carvalho, já que aí está abra lá a porta de uma vez por todas, quero ver o que aí está...afaste-se logo porque podemos ter que disparar! Torres coloque-se entre o guarda fatos e a porta. Vamos lá, quando eu disser três: uuum.......dooooois...TRÊS!
...
...
...
- Nada. Porra,vocês não ouviram o mesmo que eu?
- Sim, inspector, eu ouvi, mas não está aqui nada...a não ser que...
- Oh Carvalho, porra pá! O que é que está a fazer, deixe lá essas tralhas em paz, ou pelo menos calce umas luvas para mexer nisso, sabe lá o que é está por baixo dessas roupas! Se me contamina alguma prova ponho-o de volta ao escritório em três tempos!
...
...
- Torres!
- Sim.
- Vamos começar a embalar tudo o que precisamos para levar e deixar a casa o quanto antes. Já vi tudo o que tinha que ver...
-Concordo. Já começámos tratar disso.
-Logo que tenha o relatório das autópsias ligue-me.
- Combinado. Vá descansado, o Dr. Raúl liga-me logo que acabe...
...
...
...
...
-Tou!
- Tou, inspector, boa noite. Fala Torres!
- Eu sei, o teu nome aparece no meu telefone sabes?
- Pois. Desculpe ligar tão tarde, mas tinha-me pedido...
- Desembucha! Porra, dois dias para ter os resultados das autópsias!! Desembucha de uma vez...
- Bom, demorou algum tempo porque o Dr. Raúl desconfiou de uma coisa lá na casa e queria ter a certeza...
- A certeza de quê?
- Bom, de acordo com as autópsias efectuadas, tudo vai ao encontro do cenário que montámos...os pais morreram quase em simultâneo, cerca da meia-noite. Quando chegámos ao local eles estariam mortos à cerca de 12 horas.
- E as impressões digitais na faca, sempre são do miúdo?
- São. Não há dúvidas de que foi ele que empunhou a faca...
- Ainda me custa acreditar...
- E depois do que eu tenho para lhe dizer, ainda vai custar mais...
- Então?
- Inspector, de acordo com a autópsia do miúdo, ele está morto há 2 semanas!
- O quê??!! Tem que haver um engano!
- Inspector, porque acha que os resultados demoraram tanto tempo. Está mais que confirmado! É uma certeza.
...
...
- Inspector? Está?
- Tou! Não me fui embora! Bem, não sei o que dizer. Olha, falamos amanhã melhor se não te importares. A esta hora não estou capaz de pensar! Mais alguma coisa que queiras dizer?
-Bem, pode não ser nada de relevante mas queria que soubesse que o Carvalho não se apresenta ao trabalho há dois dias. Liguei-lhe para o telemóvel e nunca me atendeu...
- Então? Porquê?
- Ninguém sabe, e por isso liguei para casa dele hoje, atendeu-me a mulher...
- E então? Está doente ou assim?
- Não. Mas a mulher pareceu-me um pouco assustada. Pediu-me para passar por lá. Diz que ele não sai da garagem e que nem parece o mesmo. Fiquei de lá passar amanhã...
- Isso. Faça isso. Se calhar fui um bocado bruto com o rapaz no outro dia...
- Não se preocupe. Ele é bom rapaz e compreende que às vezes...
...
...
- Torres! Torres, estás aí?
- Espere lá...ouvi um barulho ...espere lá...e é aqui dentro de casa...
- Oh Torres, que é que se passa?
- Não sei. Mas tenho que ir ver. Vou desligar.
...
...
...
- Porra que susto do caraças, queres levar um tiro! Como é que entraste?
...
- O que é que estás a fazer em minha casa, Carvalho, és capaz de me explicar?

15 de abril de 2010

V - Um miúdo normal

- Anabela!
...
- Anabela! Porra, não dizes nada?!
- Não sei o que dizer...não...eu estou...quer dizer...
- Mas estás a ver o mesmo que eu certo?
-Estou, mas é demasiado confuso, como é que é possível Zé?
-Como é que é possível?! Não sei! Eu gostava de te dizer que provavelmente são gravações sobrepostas, mal apagadas, mas nem eu acredito nesse disparate.
- Então não temos dúvidas?
- Não. Não há dúvidas: é o Miguel quem está à porta do quarto!
- Mas como, Zé? Se ele estava deitado na cama, eu naquele preciso momento estava a olhar para ele, com receio que ele acordasse assustado.
- Isso explica muita coisa. Não é o Miguel que tu tens achado estranho, mas sim este miúdo!
- Oh Zé, mas que conversa é essa, qual miúdo? É o Miguel, não reconheces o teu filho?! É ele que está na imagem! Olha aqui, é ele!
- Isto é demais para mim, Anabela, nem sei o que pensar, nunca pensei que...espera aí...tira daí a tua mão, deixa-me olhar bem para ele.
- Ok, o que é que queres ver?
- O que é que ele está a segurar na mão?
- Não dá para perceber muito bem, a imagem não captou tão para baixo.
- Só se vê uma parte escura...
- É uma faca Zé!! Meu Deus!!
- O quê?? Como é que conseguiste ver isso?
- PORQUE ELE ESTÁ ATRÁS DE TI COM ELA NA MÃO!
- Anabela, sai daq...Arghh!
- MIGUEL! PÁRA! O que estás a fazer filho! Por favor, não!! Zé! Foge, Zé! Não é o teu filho! FOGE!

Não percam o próximo episódio porque nós também não!
(A pedido da Boo)

14 de abril de 2010

IV - Um miúdo normal

- Miguel!
- Sim, mãe.
- Não achas que está na hora de ires para a cama?
- Ooohhh, deixa-me só acabar de ver o filme.
- Nem pensar, ainda está na 2ª parte! Vá, toca andar.
- Ok! Pronto, até amanhã!
- Não dás um beijo ao teu pai?
- Dou! Fogo pá...
- Mau! Não nos vamos chatear pois não?
.....
- Até amanhã pai.
- Até amanhã filho. Dorme bem.
...
...
...
...
- Zé!
- Diz.
- Achas que já está a dormir?
- Anabela, já passou quase uma hora e meia, espero bem que esteja ferrado a esta hora.
- Coitado, custa-me estarmos a fazer isto. Sinto-me como se estivéssemos a fazer dele cobaia...
- Oh, Anabela, que disparate! Não queres saber o que se passa?
- Quero! Claro que quero.
- Então pronto, não estejas agora com coi...
- Shhhhhh!!!
- O que foi?
- SHHHH!!!
...
...
- Não ouviste?
- O quê Anabela?
...
- Olha, outra vez! Ouviste agora?
- Ouvi. Deixa-me só preparar a máquina...espera...ok, já está! Vamos!
- O barulho vinha do quarto, ele deve ter aberto a porta para sair.
- Pois. Vês, ele está no corredor, estou a ouvir passos.
- Achas que acendo a luz?
- Claro. Como é que o queres ver, além disso ele deve estar a dormir, nem vai reparar. Deixa-me só apontar a câmara........vá acende agora!
...
...
- Porra, não é possível!
- Não está aqui ninguém Zé...mas como...? Tu também ouviste...
- É claro que ouvi, ele deve ter voltado para o quarto e não fechou a porta. Anda!
...
- A porta está fechada Zé, será que imaginámos.
- Tenho a certeza que não! Vou ver se ele está deitado...
...
...
- Ele está a dormir profundamente. Ele não teve tempo de voltar para cama sem nós darmos por...
- Ai Zé! Ouviste isto?
- Foi na cozinha, e desta vez de certeza que não foi o miúdo...
- Fica aqui com ele que eu vou lá ver...
- Oh Zé tenho medo!
- E queres ir lá e deixar o miúdo sozinho?! Fica com ele que eu vou ver, ok?
- Tudo bem, pronto. Mas para que é que levas a máquina, deixa-a aí, só te vai atrapalhar. Leva mas é alguma coisa para te defenderes que estou preocupada.
- Pronto, levo a raquete do garoto pode ser? Fica descansada. Venho já...
...
...
...
...
- Não vi nada, Anabela. Procurei a casa toda. Porra, isto é estranho!
- Também acho...
- O miúdo está bem? Como é que é possível não ter acordado?
- Não sei, mas continua a dormir.
- Anda. Vamos para a sala, deixa-o estar.
...
...
- Apaga essa porcaria da máquina antes que a tua irmã pense que somos maluquinhos! Não quero ser o "bombo da festa" no próximo Natal!
- Já estou a tratar disso, não te preoc...
- O que foi?
...
- Oh pá, Zé, o que foi? Que cara é essa?
- Eu vou ligar isto à televisão e tu já vês...
-Já vejo o quê?!!
- Anabela, deixei a máquina em cima da cama do miúdo e por acaso ficou a apontar para a porta do quarto...
- Sim, certo, e...??
- E...olha agora para a televisão e diz-me... QUE PORRA É AQUELA NO CORREDOR LOGO DEPOIS DE EU TER SAÍDO DO QUARTO???

13 de abril de 2010

III - Um miúdo normal

- Então Belinha, está tudo bem?
- Está. Obrigado por teres vindo mais cedo.
- Onde é que está o Miguel?
- Aonde é que havia de estar? No quarto! Agora parece que só quer estar lá.
- Tudo bem. Talvez seja melhor assim.
-Porquê? É agora que me vais contar a história do telefone desta manhã?
- O Miguel jura que ontem à noite não saiu do quarto depois de o teres mandado para a cama.
- E...??!
- E eu acredito nele.
- Acreditas nele? Ok. O que é que isso quer dizer?
- Anabela, não percebes?
- Perceber o quê?
- Porra Anabela! Se ele não se levantou quem é que estava no corredor e fechou a porta? Queres responder-me?
- Tu ouviste a porta a fechar mas isso não quer dizer...
- Não, Anabela, nós ouvimos, não fui só eu. E além disso, queres convencer-me de que não sentiste ninguém no corredor?
- Não. Também fiquei com essa sensação. Mas isso deixa-me aterrorizada.
- Pois. Eu recuso-me a acreditar que ninguém estava no corredor, mas, por outro lado, tenho a certeza que o Miguel disse a verdade...
- Oh Zé, achas que era outra pessoa, sei lá, ou outra coisa qualquer? Credo! Só de pensar...
- Não, querida, que absurdo!! O que eu quero dizer é que acho que o miúdo é sonâmbulo.
- Sonâmbulo?
- Sim, de que outra forma explicas que ele se tenha levantado e que tenha voltado para o quarto sem se lembrar disso?
- Não sei. O que eu sei é que isso não explica o comportamento dele durante o dia...
- Está cansado! Não deve ser fácil passar parte das noites levantado a fazer uma data de coisas sem saber. O facto de estar a dormir não significa que não se canse, não achas?
- Não, não acho. Tu dizes isso mas ainda não viste como ele fica às vezes.
-Não achas que estás a exagerar? Esta noite só temos que estar atentos às movimentações dele. Agora deixa-o estar à vontade no quarto. Ele ouviu-me chegar?
- Acho que não, está lá enfiado dentro.
- Então eu vou sair, não lhe digas que aqui estive.
- Aonde é que vais?
- Vou comprar pilhas para a lanterna e vou pedir a máquina emprestada à minha irmã.
- Por quê?!
- Porque a minha está a arranjar lembras-te? Deixaste-a cair!
- Não é isso, Zé! Por que é que precisas da máquina?
- Porque posso ter que lhe mostrar o que ele faz à noite.

To be continued...
(A pedido do W.)

12 de abril de 2010

II - Um miúdo normal

...
- Então filho, está tudo bem?
- Está Pai, porquê?
- Por nada. Estou só a perguntar. Como vai a escola?
- Vai bem, como sempre. Sabes que tenho sempre boas notas.
- Sim eu sei.
...
- Pai?
- Sim?
- Porque é que estás a olhar assim para mim?
- Assim como?
- Assim como se estivesses a tentar ver ao longe, como a Mãe.
- A ver ao longe?! Como a Mãe porquê?
- A Mãe tem olhado assim para mim às vezes.
- Pois. Hmmm...bem, Miguel, não te vou mentir, o Pai e a Mãe acham que tu andas um bocado estranho, e...bom, queríamos tentar perceber o que se passa. Queres-me dizer alguma coisa?
- Eu é que estou estranho? Pai, a Mãe é que tem andado estranha!
- Estranha? Como assim?
- Estranha! Parece que anda sempre com medo e fica a olhar para mim "montes" de tempo como se não me conhecesse! Achas isso normal?
- Não Miguel, não acho, mas sabes que a tua Mãe tem andado preocupada contigo, é natural que esteja a agir assim.
- Mas preocupada porquê?
- Não ouviste a nossa conversa ontem?
- Qual conversa?
- Miguel, não te faças de sonso. Nós sabemos tu estavas no corredor porque ouvimos a tua porta fechar-se quando entraste no quarto. Estavas acordado. Ouviste ou não o que dissemos, não me mintas!
- Pai, eu não estou a mentir! A sério! Eu juro! Fui para a cama quando a Mãe mandou e adormeci logo a seguir! Juro! Não saí do quarto!
- Ok, filho, pronto, eu acredito em ti. Olha estamos a chegar. Não penses mais nisto que estivemos a conversar. Está tudo bem. Ok?
- Ok, Pai.
- Vá, dá cá um beijo ao Pai.
- Oh Pai, vá lá, as minhas amigas estão a ver...
- Pronto, eu entendo, vai lá e boas aulas. Até logo.
....
....
....
- Tou? Anabela, desculpa estar a ligar-te agora. Diz-me só uma coisa. Tens a certeza absoluta que ouviste a porta do quarto do miúdo bater ontem à noite certo?
....
- Depois explico, porra! Vá, pensa bem, ouviste ou não? Pensa bem!
....
- Pois, foi o que eu pensei.
....
- Já te disse, depois explico.
....
- Não, não, eu também tenho a certeza. Temos que falar.
....
- Acho que vamos ter um programa diferente logo à noite.

9 de abril de 2010

I - Um miúdo normal.

- Querido, tenho andado a pensar numa coisa que me está a deixar preocupada.
- O que é que se passa Anabela?
- Tem a ver com o Miguel, já reparaste como ele anda ultimamente?
- Acho que não tenho visto nada de anormal, é um garoto com 14 anos como outros que conheço. Porquê? Qual é o problema?
- De vez em quando ele sai do quarto e vem um bocado estranho. A maior parte das vezes tu ainda não chegaste, por isso não reparas.
- Estranho como?
- Oh Zé, eu não sei explicar, é como...sei lá...é como se fosse outra pessoa, até parece mais velho, sei lá...
- Anabela, isso é um absurdo! Oh, mas porque é que estás a chorar?!
...
...
- Belinha, amor, porque é que estás a chorar? Não há-de haver motivos para tanto!?
- NÃO HÁ MOTIVOS!!?? ESTOU-TE A DIZER QUE ELE SAI DO QUARTO E NÃO É O MESMO!
- Compreendes que isso não faz muito sentido certo?
- Oh Zé, e que sentido faz ele ficar com aquele olhar estranho, parece que deita faíscas pelos olhos! Eu sei que parece estúpido! Olha, Zé, por favor, amanhã vem mais cedo para casa para veres...sabes...estou com medo...
- Pronto, fica descansada, amanhã venho mais cedo.
...
- Que barulho foi este?
- Foi a porta do quarto dele. Porra Anabela! Então mas ele não estava a dormir?
- Pelos vistos não Zé. O que é que queres que te faça? Achas que ele ouviu?
- Não sei. Mas deixa estar que amanhã falo com ele quando o levar à escola.

28 de março de 2010

E o Óscar vai para...




...Joseph Ratzinger, o feiticeiro! Pela sua maravilhosa prestação no "Domingo de Ramos".

A forma extraordinária como consegue transformar o facto de a Igreja Católica ter escondido e abafado, durante anos, casos de pedofilia em praticamente todos os continentes, numa perseguição à própria Igreja. As vítimas de pedofilia não tinham o direito, não se faz.

Segundo as palavras do próprio, hoje, a Igreja não se deixará intimidar.

Trata-se seguramente de uma perseguição sanguinária que estão a fazer à Igreja, de um acossamento sem igual. Como é que vítimas de abuso sexual se atrevem a acusar membros da Igreja dos abusos e, pior ainda, a Igreja de abafar esses abusos?!

A seguir vai dizer que esta é mais uma cruzada santa a juntar às existentes (e sempre justas como certamente se lembrarão) na história honrada da instituição.

Este senhor, a quem não reconheço qualquer autoridade, devia ter vergonha.

No entanto, admito que, dado o estado avançado de senilidade de que padece, não tenha sido ele a escrever o discurso.

............................................................................

Já agora, é com especial prazer que aqui introduzo esta pequena consideração, uma vez que o sub-tema deste post é a hipocrisia:

Porque não passam filmes "porno" na televisão nacional? Não sabem? Eu respondo, porque possuem cenas de sexo explícito que não são permitidas e podem ferir susceptibilidades.

Mas, por outro lado, podemos assistir constantemente a filmes que mostram, sem pudor, defendidos por uma argola vermelha no canto do televisor, cenas de violência explícita. Pescoços cortados, pernas amputadas, fracturas expostas e olhos arrancados são cada vez mais frequentes na programação diária dos diferentes canais nacionais.

Talvez eu seja doido, mas a mensagem transmitida por cenas de amor e sexo explícito não é muito mais positiva do que aquela que é transmitida por cenas de violência explícita?

15 de março de 2010

Luta

As adversidades fortalecem-nos. Isto é, se não nos varrerem os pés do chão. A História está repleta de momentos que nos lembram isto mesmo.

A abolição da escravatura aconteceu em Portugal há pouco mais de 150 anos. Parece incrível, imaginem, se pensarmos nas gerações da nossa própria família, talvez não pareça ter sido assim há tanto tempo. A violência doméstica nem sempre foi considerada um crime e há países onde ainda é permitida. O holocausto está ainda bem fresco na memória de todos nós, e pelos piores motivos. Existem ainda no planeta pessoas que sobreviveram a isto. Hiroshima, Amazónia, Chernobyl e Auschwitz são nomes de locais que nos recordam a luta e as adversidades que alguns seres humanos tiveram que enfrentar. Tento imaginar o que sentiram os negros, obrigados a viver como animais, sem direito a opiniões ou a uma vida normal. Quantas mentes brilhantes se perderam porque as esterilizámos ou limitámos. E os Judeus? Será que um deles não teria descoberto a cura para o cancro ou a sida? Porque será que fizemos tanto mal a nós próprios?

Como eu dizia, as adversidades podem fortalecer-nos. Acho que as adversidades que alguns seres humanos tiveram que enfrentar acabaram por moldar a sua índole, o seu carácter, mas também alteraram o ADN da Humanidade de forma irreversível. Enfraqueceram-nos a todos. Juntos, teríamos sido mais fortes, teríamos saltado anos de ignorância.
É rídiculo, mas historicamente, as alturas em que se revelou mais a nossa ignorância não aconteceram nos primórdios, porque aí pudemos ver revelado o génio humano, das mais variadas formas. As fases onde fomos mais ignorantes foram, sem dúvida, a Idade Média, considerada por muitos, e a muitos níveis (cultural, social, científico), como a Idade das Trevas; e, na minha opinião, os últimos dois séculos, dois séculos onde provámos, dia após dia, que não merecemos viver neste mundo. Irrecuperável, é a palavra que se desenha na minha mente quando penso no tempo que perdemos.

Eu não quero perder tempo. A vida é demasiado curta. Em milhões de anos de história neste planeta, a nossa vida não representa mais do que um grão de areia no meio de um infinito deserto.
Quero amar intensamente, quero passar tempo com as pessoas da minha vida, com os meus amigos. Quero ser feliz, e sou, porque peço muito pouco.

As adversidades que me vão surgindo, os obstáculos que se colocam no meu caminho, não me interessam. Desprezo-os. Rio-me deles. Estou demasiado concentrado na minha vida para perder tempo com o que não interessa. Só eu sei o valor da minha vida e ninguém lhe vai dar mais valor do que eu. Posso estar morto daqui a 1 hora.
O que me interessa se o trabalho correu mal, ou se o meu clube perdeu? O que me interessa se está a chover no meu piquenique? Eu é que escolho como quero passar os dias em que tenho a sorte de respirar. Quero passá-los bem disposto.

8 de março de 2010

Diga?

Zé: Ouviste falar do tremor de terra na Turquia?
Quim: Sim! Já viste bem? O mundo está para acabar!
Zé: Que exagero! Não achas que estás a ser um bocado "fantalista"?
Quim: "Fanta" quê?
Zé: "Fantalista" pá! Significa que estás a ver fantasmas onde eles não existem!
Quim: Mas custou-me mesmo foi ver aquilo na Madeira! Uma tragédia!
Zé: Não viste logo o Sócrates a ajudar a malta!? Isto são só interesses! Nestas coisas da política "uma mãe lava a outra"! Aquilo acabou por ser bom para os dois.
Quim: "Mãe"?!
Zé: Sim. Tenho que te explicar tudo?
Quim: Bem, mas também foi bom para os Madeirenses esse apoio.
Zé: Sim, de certa forma, foi uma "almofada de ar fresco" para aquela gente!
Quim: Humm, pois, acho que sim que foi.
Zé: A verdade é que aquilo também tem muita "por paganda" à mistura.
Quim: Acho que já estás a divagar, não te parece Zé!?
Zé: A divagar??!! Pois fica sabendo que a "divagar" se vai ao longe.
Quim: Acho que não é bem assim o provérbio!
Zé: Olha, queres ver que agora sabes tudo, deves ser "ovnisciente" não!?
Quim: Queres dizer omnisciente certo?
Zé: Não senhor, quero dizer que tens a merda da mania como os gajos que vêem os ovnis e que acham que sabem tudo!
Quim: Eh pá! Não te enerves, esquece lá isso.
Zé: Não me enervo não, tenho que ter cuidado com os nervos!
Quim: Então?!
Zé: Fui fazer um exame ao "cu da são" e o doutor disse-me que tenho que andar mais calmo.
Quim: Quê!? Um exame a quem?
Zé: Ao "cu da são"! Não é brincadeira nenhuma! Posso ter uma "taquitardia", pelo menos foi o que ele disse.
Quim: Isso era capaz de ser grave, mas bom, se é tardia pode ser que ainda vivas mais uns anos!
Zé: Qu' é lá essa conversa pá! Vai de "metro" Satanás!!! Queres que vista o pijama de madeira ou quê!
Quim: Não, homem! Quero é que vivas muitos e bons anos. É que eu gosto falar contigo, deixa-me sempre bem disposto.
Zé: Pois, pois. Estás gozar à minha conta não é! Pois sabes que mais? Não me dilaceres com vitopérios inóspitos!
Quim: Quê!??

1 de março de 2010

Será um pássaro? Um avião? Não, é o Papa.




O Papa Bento XVI é esperado em Portugal a 11 de Maio. Não vejo nada de extraordinário neste facto. No entanto, há quem espere ansiosamente este dia.

Não pude deixar de constatar todo o rebuliço que se registou nas hostes católicas por todo o país. O Papa vem a Portugal. Uau! Assistia, num destes dias, a uma peça jornalística que mencionava a passagem do Papa por Portugal. Criou-se um logótipo para a passagem do Papa por Portugal!! Absurdo, no mínimo.

Mas o Papa é o quê, algum cometa?! Só volta a passar daqui a 120 anos?

Não me lembro se alguma vez isto tinha sido feito com o anterior Papa, o Papa Marioneta como o baptizei numa alusão ao facto de, nos últimos anos, se movimentar apenas preso por fios invisíveis, seguramente, parecendo uma marioneta sem arranjo.

Não sei se já tiveram oportunidade de verificar o site criado para a ocasião mas deixo-vos a sugestão: http://www.bentoxviportugal.pt/. Façam uma breve visita, registem mentalmente todo o "estaminé" montado à volta desta visita e, se quiserem, façam como eu e estabeleçam, a título de curiosidade, aquele que acham ser o preço de tudo isto. Façam aquilo que nós, portugueses, sabemos fazer melhor: um orçamento. Será que sou só eu que acho inadmissível esta ostentação de uma instituição que é suposto ter mais valores a Bolsa? Numa altura em que por todo o mundo se multiplicam actos de solidariedade vindos das famílias mais pobres,em resposta às catástrofes naturais que se têm abatido sobre algumas populações do planeta, a Igreja Católica monta um espectáculo caríssimo, exagerado. Só o palco gigantesco que estão a montar dava para reerguer milhares de casas no Haiti e na Madeira.

Mas isto digo eu, que não percebo nada do assunto.

23 de fevereiro de 2010

As tuas suposições...

Provavelmente julgaste que eu esqueceria aquele momento, que não veria nele qualquer significado. Achaste que eu estava contigo por capricho, que serias mais uma conquista. Espreitaste-me depois do beijo com aquele olhar derrotado de quem se entregou e não queria. Estava evidente nos teus olhos esse sentimento. Eu só podia ser mais um daqueles homens com quem te cruzaste toda a tua vida, não podia ser diferente desta vez. Era impossível, para ti, que eu pudesse, na verdade interessar-me por mais do que me deste naquela noite. Apercebi-me de todas as fases da tua entrega: primeiro a resistência, depois a rendição, e, por último e infelizmente, a mudança de atitude. Assumiste que eu era mais um e atiraste-te de cabeça, mas apenas com o teu corpo e nada mais. Nessa noite não tive mais nada. Infelizmente para ambos, só hoje percebi o que aconteceu. Na altura pareceste-me apenas fútil, mais uma que só me procurou para saciar um desejo pontual, e por isso não te liguei.
Em verdade te digo que procurava bem mais do que o que tive. O sexo não foi nada de extraordinário, mas a culpa não foi tua. O problema é que o sexo pelo sexo é bom, mas não é o melhor. Devias ter-me dado tempo para te conhecer, apaixonar-me pelo teu espírito indomável, pelo teu intelecto, ao ponto de ele me excitar e de eu explodir de prazer, não por estar a ter uma boa noite de sexo, mas por estar a tê-la contigo.
Quis saber quem és, do que tens medo, com o que rejubilas, se andas de pantufas em casa, ou descalça, se gostas de adormecer no sofá, se saltas da cadeira nos filmes de terror, como tratas os teus amigos e família, se gostas de pipocas com açúcar, ou com sal, ou se as detestas como eu, se gostas de acordar mais cedo ou mais tarde, se gostas de massagens, se choras com alguns livros que lês, ou se não lês livro nenhum. Tornaste tudo isto impossível.
Este sou eu.
Para nós, é tarde, perdeu-se o momento. Além disso, não gosto que me julguem precipitadamente. Agiste como se já tivesses conhecido muitos como eu e isso irrita-me, porque eu sou único.

19 de fevereiro de 2010

Compromissos

Considero-me um cavalheiro.
Para quem está a pensar no que poderei querer dizer com isto, esclareço: ser cavalheiro é mais do que abrir a porta do carro para uma senhora entrar, ou segurar a porta do restaurante enquanto alguém entra, ou dar prioridade a uma senhora para se sentar no autocarro. Para mim, ser-se um cavalheiro é mais do que ser porteiro ou ficar de pé quando nos queremos sentar. Especialmente, porque para se ser um cavalheiro, o nosso comportamento deve alargar-se a todos os géneros e não apenas às senhoras. Isto leva-me até ao conceito que me parece ser o que melhor distingue um verdadeiro cavalheiro dos demais aspirantes: compromisso. O conceito de compromisso é para mim o mais importante em qualquer relacionamento seja ele pessoal, profissional ou amoroso.
O nosso país tem um problema em assumir um compromisso com a pontualidade. Há muito quem faça alarde de não fazer esperar um cliente, mas em contrapartida deixa um amigo à espera trinta minutos, ou atrasa-se para um jantar com a esposa. Não se faz esperar um cliente, nem um amigo e muito menos uma mulher.
Mais, gostava que me explicassem as marcações para as "dez, dez e meia", que acabam sempre por resultar numa chegada às dez e quarenta e cinco, e o atrasado ainda atira "só me atrasei quinze minutos". Na verdade, quem chegou às dez esteve 45m à espera, mas isto digo eu que sou maluco. Em todas as minhas relações, se sou vítima de um atraso vou-me embora, não espero. Fui desrespeitado. A maior parte das pessoas que se atrasa comigo, nunca perdeu um avião, ou um autocarro, ou um comboio, o que significa que não me respeitam o suficiente para me presentear com a pontualidade.
A maior parte de nós foge da palavra compromisso. Num grupo de amigos, sempre que se faz uma marcação para um programa qualquer há sempre quem diga "eu depois confirmo-te" que é o mesmo que dizer "não me quero comprometer já porque depois pode aparecer um programa melhor, mas por outro lado não quero já descartar este porque posso ficar sem programa".
Eu nunca tive problemas em responder, perante um convite, "não vou porque não me apetece". A honestidade é uma das melhores provas de cavalheirismo que podemos dar. Nunca ninguém me penalizou por dizer a verdade, nem perdi amigos. Eles assim sabem que quando estou com eles é porque quero verdadeiramente estar lá. Não faço nada contrariado ou por não ter nada melhor para fazer.
Por último, falo do compromisso da lealdade. Para mim, talvez o mais importante. Não se trai um amigo, não se trai um cliente e acima de tudo, não se trai uma mulher. Não sou santo, nem almejo tal sorte. Naturalmente que posso achar outra mulher interessante. Mas tenho um compromisso com a minha mulher e enquanto o tiver só há espaço para ela. A não ser que se abra espaço para uma terceira pessoa ou mais duas, quem sabe, na relação e que seja de comum acordo. Estou sempre aberto a novidades.
Cada vez menos se respeitam compromissos, e julgo que isso terá a ver um pouco também com a crescente facilidade de comunicação. Antigamente agendava-se algo, e se uma das partes faltasse isso resultava sempre numa longa espera. Não havia como avisar, e quem esperava tinha sempre receio de ir embora e a outra parte aparecer imediatamente a seguir. Hoje, é fácil avisar. Liga-se a dizer "estou quase a chegar", ou " estou atrasado" ou "surgiu um imprevisto, já não posso aparecer." Mas não devemos deixar que isso iniba o nosso bom senso e a arte de não falhar.
Devemos assumir e respeitar compromissos. Não é muito complicado.
Não confio em alguém que esteja constantemente a "furar" compromissos, quaisquer que sejam.

17 de fevereiro de 2010

Bem Vindo Alfredo

Apenas uma nota de agradecimento a Alfredo Ribeiro, que se tornou seguidor do Uatafak.
Aproveito para vos aconselhar um dos seus blogs: http://leiriacidadedolis.blogspot.com/
Quem, como eu, adorar a cidade de Leiria vai certamente gostar do que o Alfredo tem colocado na blogosfera.
Até breve.

16 de fevereiro de 2010

Mais um dia...

Olho pela janela. A chuva cai lá fora, indiferente a feriados, carnavais, festas. Por mim pode cair, não gosto de Carnaval, pelo menos como o conhecemos.
O Carnaval que nasceu como uma celebração do adeus à carne, ligado à religião, não é bem o meu Carnaval. Quando a Igreja Católica implementou a Semana Santa, que deveria ser antecedida pela Quaresma (quarenta dias de jejum) a população começou a sentir uma crescente necessidade de festejar antes de dizer "adeus à carne" na Quarta-Feira de Cinzas, o primeiro dia da Quaresma. Isto aconteceu no Séc. XI e portanto, na sua origem, o Carnaval nasce como uma festa que até pode ser considerada pagã. Uma espécie de "Ai é??! Não podemos comer carne??!! Então espera lá que esta semana vou-me vingar!". Esta característica do Carnaval já é mais do meu agrado, confesso.
Quando penso em Carnaval penso em vários convidados mascarados, misturados numa orgia de carne e de sentidos, ao som de "Mão Morta". Um ritual de carne, mas não da que se come. Isso sim, era Carnaval e aí sim, até eu me mascarava. No entanto, para já, não é possível.
Assim, aproveitei o dia de hoje para outras coisas e à tarde, zombei da chuva que caía e fui correr. Foram 4.5km maravilhosos, em que me cruzei no máximo com duas pessoas. Já fui perto do final da tarde, estava já a anoitecer quando comecei. A cada metro que corro sinto-me mais limpo por dentro. Apenas eu e a cidade, com a banda sonora que eu escolho. Hoje, escolhi James Horner (banda sonora de Avatar) e foram momentos extraordinários. Adoro correr, e à chuva dá-me um prazer especial. Acabei sentado num muro, olhando o Castelo de Leiria, iluminado, imponente, e fiz a limpeza habitual. Esvaziei a mente, senti a chuva a cair-me no rosto, pensei em tudo e em nada. Renovei-me.
É a minha terapia e tenho necessidade de a fazer várias vezes por semana. Acho que todos devemos ter um terapia nossa, aquele momento em que conseguimos um olhar para dentro de nós e renovamos a energia para voltar ao mundo real.
Estou pronto para amanhã.

7 de fevereiro de 2010

Quem és tu?

Passo por ti. Acontece muitas vezes. Não dás por mim, não me conheces, a minha existência choca com a indiferença nos teus olhos...de cada vez que passo. Não sei quem és. Intrigas-me. Fico a pensar no som da tua voz, que nunca ouvi. Nunca te vi andar, tão pouco, porque vejo-te sempre parada. Sei que esperas alguém e não sei quem é. Sei que não sou eu. Não me esperas, a mim não. Sei que és bela, isso eu sei. Os teus cabelos negros e escorridos beijam os teus ombros, criando para a tua a face a mais bela moldura. A arte que é o teu rosto merece cada segundo do meu olhar. Os teus olhos negros, fundos como poços, parecem puxar-me para me aprisionar. És simbiose e harmonia da cabeça aos pés.
Inicialmente, era enorme a minha curiosidade em conhecer-te. Hoje, desisti dessa ideia. Tenho receio. E se falares e a tua voz me causar diferença, e se falares mal, se pronunciares mal as palavras? E se fores fútil, e se a tua falta de intelecto for demasiado evidente, se me desapontar?

Prefiro assim.

Continua à espera.

Eu vou continuar a passar.

2 de fevereiro de 2010

Avatar

Não podia deixar de lhe fazer referência. Fui ver o Avatar há algumas semanas. Confesso que durante o tempo que ouvi falar do filme, não só através das publicações da especialidade que habitualmente acompanho e consulto, mas também através das pessoas que o foram ver antes de mim, fiquei com a ideia de que talvez houvesse algum exagero nos elogios que eram feitos a mais esta obra de James Cameron. O realizador está longe de se encontrar entre as minhas preferências. Na verdade não pensei que o "obreiro" de Titanic fosse capaz de algo que fosse do meu interesse. Desconfiei de "Avatar". Nunca duvidei que a explosão de cores fosse real e que fosse efectivamente como contavam. Confesso aqui que a minha primeira ideia antes de ver o filme foi: "mais uns milhões gastos num capricho de Cameron sem o mínimo conteúdo ou argumento, apenas para deleitar a vista esquecendo o intelecto" - ainda não esqueci o fraco, fraquíssimo, "Titanic".
Vi o filme. Mudei de ideias.
Sou da opinião de que só os burros nunca mudam de ideias.
Devo manifestar que "Avatar" se apresentou, para mim, como uma agradável surpresa. Não que o argumento seja original (toda a gente se lembra de "Pocahontas"): um povo invasor, um povo nativo, uma guerra invasora e um amor que nos faz questionar os motivos de uns e abraçar os motivos de outros.
Mas a inteligência de "Avatar" não está no argumento, ainda que eu ache que, não sendo original, ele foi bem explorado. A inteligência deste filme vai, também, muito além da extraordinária tecnologia. Contudo, apesar de não ser o melhor filme que vi, foi sem dúvida o mais belo. É impossível não nos apaixonarmos pelo planeta Pandora. Mas, dizia eu, a inteligência de "Avatar" está nos pormenores: a cultura simples e pagã dos Na'vi, entretanto já criticada pela habitual estupidez natural da Igreja Católica; a ligação de um povo à natureza (fauna e flora) de uma forma fantástica e das mais belas alguma vez retratadas; a retribuição, por parte da Natureza, da adoração dos Nav'i. Tudo isto são aspectos que, sobretudo Hoje, são revestidos de uma assinalável pertinência. Se tiverem a disponibilidade e a paciência que a tarefa exige, atentem na construção e complexidade linguística dos Nav'i, nas conversas desenvolvidas na língua nativa. Brilhante e bela.
A estrutura moral das personagens está bem conseguida e bem assente nas suas prioridades, isto é, são personagens com falhas e com estruturas comportamentais possíveis, por serem imperfeitas. Jake Sully, por exemplo, decide abandonar o seu mundo e o seu corpo para se tornar a consciência definitiva de um avatar, mas não o faz apenas por amor, fá-lo também porque tem naquele mundo algo que não tem no seu: a capacidade de andar.
De todas as personagens, porém, a minha preferência recai sobre a mais pura e perfeita: Neytiri. A graciosidade, a destreza, a força que disfarça as fragilidades, a beleza e a voz sensual de Zoe Saldana fazem com que esta personagem tenha entrado directamente para o primeiro lugar das personagens mais sensuais e cativantes de todos os tempos no cinema, na minha opinião claro.
Bom filme.

26 de janeiro de 2010

Afinal passei...

Sobrevivi a mais uma passagem de ano. Acabei o ano em tom fatalista e da mesma forma inicio o de 2010. Gosto de estar sempre a falar da minha própria morte. Assim quando "bater o botim" toda a gente vai comentar: "Eh pá, parece que ele estava a adivinhar. Pressentiu a própria morte!" Isto vai conferir à minha morte contornos de sobrenatural e de paranormal que só poderão favorecer a minha imagem post-mortem. Agora ando a pensar no que fazer para aumentar ainda mais esta ideia quando deixar o maravilhoso mundo dos corpos andantes. Algo que me permita partir em grande estilo.
Aproveito para vos alertar para a crescente falta de qualidade deste blog. Se acham que isto até agora tem sido mau, preparem-se, porque a tendência é para piorar durante este ano.
Já formulei todos os meus objectivos para este ano...e já reformulei muitos deles quando percebi que devo ter bebido demais na Passagem de Ano. No meio de todos os sítios onde quero ir, de todas as pessoas com quem quero, finalmente, jantar, de todos os livros que pretendo ler, dos quilómetros que pretendo correr (só de pensar...ufa!) e das ambições profissionais, acho que será um bom ano. Salvo se eu vier a falecer até lá (vocês não estão a ouvir mas acabou de tocar na minha cabeça a música do genérico dos x-files).
Pensei num desejo para este ano que já vem sendo uma espécie de "habitué" na minha mente a cada ano que passa, simplesmente porque está ainda por realizar. Não o vou partilhar convosco, hoje não. Quem sabe se ele se realizar...