31 de março de 2009

Incondicional

Pernoitei em ti confesso
na sombra de ti comigo
Sei hoje que só eu consigo
amar-te sem regresso

Posso vingar todos os dias
todos em que não te amaram
dias que te despeitaram
não conheciam como sorrias

Mas eu vi como ninguém
o teu rosto luminoso
acorrentou-me e foi perigoso
estar assim dentro de alguém

Achaste que eu zombava
que era impossível amar assim
e que pensando só em mim
criativamente inventava

Jurei-te a derradeira prova
o dia em conhecerias afinal
o meu amor incondicional
nem que tal me levasse à cova

Um dia, amarrei-te inconsciente
a uma cama, amordaçada
para que só depois de acordada
pudesses ver finalmente

A prova única que faltava
o momento da verdade
de crua felicidade
em que saberias que te amava

Acordaste em frente ao espelho que ali pus
reflectindo a tua cara derretida pelo ácido
o que outrora era electrizante, agora plácido
escondia o choro dos teus olhos crus

Não entendi, quanta injustiça
não entendeste a intenção, a prova dada
quanto ninguém te quer agora deformada
beijo-te eu a face rugosa e mortiça.

22 de março de 2009

Sonhei...

Esta noite sonhei contigo. Bebias descontraída um café numa esplanada e eu observava-te, de longe, sem que desses por mim. Discretamente penteavas o cabelo sempre que passava alguém. Alguém que, pelo menos, pudesse ser do teu interesse. Folheavas uma revista, fútil em todos os teus gestos, estavas a matar tempo, claramente. O vento trazia-me o teu cheiro e eu não resisti, fui ter contigo, no meu sonho eu fui ter contigo. Ficaste feliz por me ver, pelo menos pareceste feliz depois da surpresa inicial. Falámos durante alguns minutos e parecias radiante quando te inclinaste para me beijar. Acordei.
Olho rapidamente para o lado, na cama, e ainda lá estás. Respiro de alívio. Deixaste de respirar há pouco mais de duas horas e pareces ainda libertar um estranho calor. Os teus olhos vítreos, petrificados, quase simulam um brilho próprio, mas não serão mais do que o reflexo do brilho que pousa nos meus. Estou feliz. Estás a meu lado. Ter-te assim, inerte e ausente, dá-me tempo para te ver, para te ver realmente, em detalhe, examinar-te, beijar-te, amar-te. Esvaziei-te de tudo o que não prestava em ti, limpei-te, formatei o teu corpo. Deixei apenas a obra, a arte, e eliminei tudo o resto, risquei o que não interessava. Ficaste tu. Que culpa tenho se te perdeste no caminho. Que culpa tenho se apenas sem vida permaneces pura. Agora és minha. Possuo-te.

1 de março de 2009

Uatafak'in Mentor

Escreve-vos o mentor deste blog. Bem sei que não tenho escrito tanto quanto eu desejava, mas certamente mais do que vocês desejam ou estão dispostos a aguentar. A minha capacidade para passar para algumas linhas o que vertiginosamente me assola a mente já foi maior. Confesso. Tenho, no entanto, procurado levar à prática algumas das ideias que, até agora, não tinham passado de meros posts com discutível piada ou interesse. Daí que a minha disponibilidade não seja tanta.
Perguntava-me alguém num outro dia porque tinha eu que ser assim. Perguntei: Assim como? Resposta pronta: obsceno, perverso, profeta da desgraça, sádico, frio e delirante com a desgraça alheia. Assustei-me. Não pensei que existisse alguém que me conhecesse bem a este ponto. Uma coisa é alguém ler o que eu aqui escrevo e descrever Goth Mortens, o meu alter-ego, eu diria. Outra coisa, arrepiante, é alguém falar de mim e descrever-me com esta perfeição. Tudo aquilo que sou e procuro não parecer estava ali, em meia dúzia de objectivos baratos de jornal diário. Pensei. Rebusquei razões, motivos lógicos. Defendi-me. Armei os campos de forças. Tenho duas vidas e só uma é realmente minha, e até aquele dia eu achava ser o único que sabia qual das duas era a minha. Porque é que eu sou assim? Repeti, respondendo de imediato: E porque não? Antes assim que hipócrita. Eu gosto de mim assim. Recuso-me a ser feliz, apenas delirante. O fato impecável, a gravata e os botões de punho dão-me um ar respeitável, escondem cada defeito, tatuagem ou cicatriz. Perdi o ar skin quando deixei crescer o cabelo que agora penteio com gel o que me dá o ar clean que as pessoas gostam de ver e respeitam. Mas não sou eu. Tenho saudades de mim durante o dia, e à noite mato-as. Senti-me um cobarde, por vezes, mas a necessidade de trabalhar fez-me assim, e, na verdade, deu-me dinheiro para cumprir algumas das minhas auto-profecias. Agora já não me sinto assim, até me agrada a ideia de levar esta vida dupla, de estar em frente a pessoas que me respeitam sem saber o que sou na realidade. Apenas alguns sabem, poucos. Tenho o meu refúgio. Durante o dia uso uma máscara e depois? O que importa? Desde que não deixe de ser eu lá dentro. Não sou assim tão mau, ou serei? Não interessa. Continuo a gostar de ver emigrantes de leste semi-nuas, rainhas gótico-eróticas e sexo com anãs. Não mudo. Sou frio? Nem tanto: há uma morte que me deixará inconsolável: a minha.