22 de junho de 2008

A noite em que a lua caiu...

Corrias à minha frente, linda. Podia ouvir o som dos teus passos, quebrando galhos, e confundindo-se com os meus risos cristalinos. Gargalhadas perfeitas que não esqueço. Lembro-me de olhar para o teu pescoço, por baixo dos cabelos esvoaçantes, negros, e de pensar como era bela a tua pele sob a luz da lua. Sempre que me olhavas por cima do ombro, para verificares se ainda te perseguia, o meu corpo estremecia. Era possível a perfeição. Naquele momento fomos perfeitos tu e eu, em todas as formas. Se Deus existisse certamente estaria a gravar-nos nos seus livros para a eternidade.
Apanhei-te. Caímos juntos pelas ervas cobertas pelo orvalho. A noite escura, iluminada apenas pelo candeeiro do mundo, ocultava-nos do resto dos mortais, pobres diabos. O meu coração podia explodir de felicidade a qualquer momento, eu sentia-o. Olhavas-me fixamente, os teus olhos marejados não deixavam os meus. Parecias gritar qualquer coisa, mas eu não te ouvia. Ouvia apenas as minhas gargalhadas. Silêncio. Silêncio absoluto então. Todos os sons do planeta se haviam desligado quando finalmente te encostei o gume afiado da minha faca, reflectindo a luz da lua, ao pescoço. Paraste de chorar, paraste de gritar, apenas a tua respiração ofegante tentando em vão controlar-se. Os teus seios voluptuosos cresciam eroticamente a cada inspiração temerária. Admirei a forma como tentaste aceitar o teu destino.
Então, a lua caiu do céu para beijar os teus lábios, a tua pele foi mármore, puro mármore. O líquido escarlate, cheirando a chumbo, deslizou pelo pescoço beijando-te um dos seios, quedando-se na tua blusa, branca. Os teus olhos perderam lentamente o brilho, secaram olhando a lua, como se nela residisse a salvação ou o socorro. Nesses breves minutos antes do derradeiro suspiro, foste minha. Amei-te.

8 de junho de 2008

Domingo à tarde...

Foi num belo Domingo à tarde que descobri que o mundo tinha parado. Era essa a única explicação possível para o facto de, procurando algo interessante na televisão, verificar que a programação era a mesma em todos os canais nacionais: a partida da selecção nacional para a Suiça, rumo ao Europeu. Não tinha morrido ninguém nesse dia, ninguém se tinha afogado, o preço dos combustíveis não subiu nesse dia, não houve boicotes, nem motins, nem feridos ligeiros nem graves, nesse dia os salários deste país foram altos, as férias não foram pagas com créditos, as crises foram miragens! Apenas existiram Cristiano Ronaldo, Simão Sabrosa, Filipe Scolari, Nani e todos os outros companheiros tão importantes. Eu que por vezes choro de alegria quando a selecção ganha, eu que de tão nacionalista me encontro no limite da segregação dos estrangeiros no nosso país, mesmo eu, não consigo entender como se pode dedicar tanto tempo a algo tão pouco importante.
Acho incrível as pessoas que se deslocaram até à porta do hotel para os ver sair, a loucura do jornalista que insistiu em baptizar o autocarro, as imagens aéreas, a transmissão de imagens de telemóvel de dentro do avião, também ele baptizado. Ridículo. Enervante e patético. E somos nós também quem os assobia nos estádios nos dias menos bons, somos nós que os vaiamos quando não correm tanto como gostaríamos. Somos mais adeptos do que portugueses. Neste país, ser-se português resume-se a pendurar uma bandeira na varanda e um cachecol no pescoço. Bebemos umas cervejas e gritamos Portugal bem alto! Dever cumprido. Tudo o resto não importa. Não importa como nos comportamos o resto do tempo, desde que naqueles 90 minutos tudo corra bem. Somos portugueses a sério. Se num Domingo à tarde a programação se resume a isto, é por nossa culpa, é porque gostamos, é isto que queremos ver. A televisão é o barómetro do nosso nível cultural. Felizmente para mim, posso sempre sair de casa ou simplesmente desligar a janela para o mundo.