8 de maio de 2010

20/07/2004 a 08/05/2010

É na mensagem nº 145 que o Uatafak vai dizer o último adeus.
Achei que estava na hora de fazer umas mudanças. Este blog chamou-se Uatafak por não ter um tema específico, uma espécie de "molho" de coisas indeterminadas que me ia apetecendo escrever. Achei que um "What the fuck" à portuguesa ia assentar bem num blog que começou a brincar, mas que, com o passar dos anos, se foi tornando mais sério. É precisamente porque o levo, hoje, tão a sério, que tenho que acabar com ele. Já se afastou do seu propósito inicial, ligeiro e jocoso, e é por isso, e porque não me agarro desesperadamente ao passado ou às memórias, e muito menos a sentimentalismos irracionais, que hoje alegremente anuncio a morte do Uatafak!

Não se fina, no entanto, o meu pobre contributo para a blogosfera.

Muitos já saberão da existência do "Seita de Stanislau", onde passarei a escrever com mais frequência e do qual espero que se tornem seguidores.

Para além disso,anuncio a criação de um novo espaço, onde passarei a escrever os contos que aqui têm lido. Espero que se tornem seguidores do "Anatomia da Insónia"

http://stanislau.blogspot.com/

4 de maio de 2010

XI - Madalena

- A tua mãe?!
- Esconde-te depressa!
- Aonde é que…
- Ali, naquele armário, vai, depressa!!



- Quem é que estava aqui?
- Ninguém! Estava sozinha.
- Estavas?
- Sim. Porquê?
- Por nada.

- Mãe?
- Sim.
- Isto tem que parar.
- Isto o quê?
- Sabes bem do que estou a falar! Tem que haver uma forma de te controlares!
- Porquê? Controlar o quê?
- Essa tua…sei lá…tem que haver uma forma de parares com o que fazes às pessoas.
- O que te acontece a ti se eu te pedir para parares de respirar?
- Sabes bem o que me acontece se eu deixar de respirar, que raio de pergunta…
- E tu sabes bem o que me acontece se isto parar, sabes que respiro os desejos das pessoas, é disso que vivo.
- Mas tens que fazer mal às pessoas?
- As pessoas é que fazem mal a elas próprias, as pessoas e os seus desejos ridículos!

- Mas não sei quanto tempo mais vou aguentar isto mãe!
- Não sabes?
- Não! Isto tem que parar!
- Há uma forma…
- Do que estás a falar?
- Diz ao teu amigo Gabriel para sair do armário que eu já te explico!
- O quê, mas como sabes…
- SAI JÁ DO ARMÁRIO!!!



- Ok, não faça mal à Madalena, está a ver, já estou a s…mas…


- Onde está a tua mãe?
- Aqui, à tua frente, seu inútil!
- Mas, Madalena, a tua voz está diferente!
- Não Gabriel, eu estou aqui…
- Mas…a tua voz e a da tua mãe saem ambas dos teus lábios! O que raio vem a ser isto?!
- CALA-TE IDIOTA!
- Não mãe! Não faças isso!!


- Porque tinhas que fazer isso mãe?!
- Já vais perceber! Não te querias livrar de mim?
- Sim, mas não tinhas que o pôr inconsciente!
- Cala-te. Deixa-me atá-lo! Vamos deitá-lo aqui…



- Gabriel! Gabriel! Acorda!
- Hmm…aiii…onde é que eu estou?
- Acho que sabes bem onde estás imbecil!
- Madalena? Eu sei que estás aí Madalena! Mas…porque é me ataram…deixem-me ir embora!
- Gabriel, desculpa, não a posso impedir…
- Tens que lutar contra ela, Madalena, tens que…
- CALA-TE! Tu é que quiseste isto…
- O que é que vais fazer?!? Larga-me!
- O que é que vou fazer? Ah! AH! Acho que sabes Gabriel, sonhaste com isto!
- NÃO! NÃO!
- Não resistas, vais ver que vais gostar!






- Ele faz isto todos os dias. Já viste?
- Quem?
- Aquele rapaz…
- Faz o quê?
- Passa aqui em frente ao café…
- Não sabes quem é, Helena?
- Não, só sei que passa aqui todos os dias…
- Chama-se Gabriel, dizem que matou os pais, mas nunca ficou nada provado. É o que se diz aí na terra.
- Sabes que as pessoas conseguem exagerar quando querem, Liliana.
- Pelo sim, pelo não é melhor deixares o maluquinho do monte em paz.
- Do monte?
- Sim, é onde ele vive…


- Liliana, não tens curiosidade de saber aonde ele vai todos os dias?

FIM

3 de maio de 2010

X - Madalena

- Não compreendo…ahh…desculpa, mas nem sei como te chamas…
- Madalena.
- Bom, Madalena, não entendo…o que me queres contar sobre a tua mãe?
- A minha mãe é bem mais velha do que parece.
- Sim, isso já percebi, quer dizer…percebi que parece demasiado nova para ser tua mãe!
- Pois, mas quando digo mais velha, quero dizer, bem mais velha…
- Como assim?!
- A minha mãe tem cerca de 200 anos!


- Desculpa, mas…mas…só podes estar a delirar, se achas que eu vou acreditar num absurdo desses…
- Não é absurdo nenhum! Não sei porque ainda perco tempo a falar contigo…
- Como queres que eu acredite nisso?
- Se não confias em mim não faz sentido estarmos a ter esta conversa…
- Bom, vamos supor que acredito…posso-te pedir algumas explicações?
- Depois do que aconteceu ao avô do Carlos, acho que te devo algumas, sim…
- Bom, então vamos começar por aí, já que tocaste no assunto…
- Foi a minha mãe que o deixou naquele estado…
- Naquele estado!?!?! O que é que raio ela fez? Ele estava azul!!
- A minha mãe só faz aquilo que querem que ela faça!
- Estás a dizer-me que o velhote queria ficar azul e morrer?
- Não! Estou a dizer que o velhote quis deitar-se com ela…
- Uhhh! Deitar-se?! Só de pensar nisso…que nojo…
- Gabriel! Peço-te que leves esta conversa muito a sério...as nossas vidas dependem disso!
- Dependem? Porquê?
- Já lá vamos. Não querias saber do velhote?
- Queria…vá continua.
- O velhote quis deitar-se com ela e no momento em que acabou, sentiu-se tão bem que imaginou que se morresse naquele momento, morreria feliz. A minha mãe só tornou realidade o que ele imaginou.
- Mas ela não o deixou morto, ele ainda chamou pelo Carlos!
- Eu cheguei antes dela acabar…
- Tu?!
- Sim, não percebes?
- O que é foste lá fazer?
- Ainda não percebeste que eu tenho andado estes anos todos a esforçar-me por controlar a minha mãe?! Quem achas que ia visitar perto do cemitério?
- Mas não havia lá nada!!
- Não soubeste procurar. A minha mãe tem estado enfiada num poço que ali está, há mais de 20 anos.
- Porquê?
- Foi nessa data que matou o meu pai. Toda a gente falou disso aqui na terra. Não sei como não sabes dessa história…
- Não, nunca tinha ouvido. Então, mas não percebo porque queriam que me afastasse de ti, se foi ela…
- Toda a gente diz que eu estou amaldiçoada, que enlouqueci os dois e que por isso ela o matou. Todos acham que se matou de seguida.
- Então e porque a escondeste no poço?
- Era uma forma de a proteger também …e de proteger o resto da aldeia…
- Pelos vistos não correu muito bem ultimamente…
- E a culpa é inteiramente tua!
- Minha?!?!
- Sim, se não me tivesses seguido ela não tinha saído de lá, tive que esperar que vocês não estivessem a ver para entrar. Entrei tarde de mais…
- Mas que raio…o que é que a tua mãe é afinal?! É algum bicho?
- A minha mãe é um demónio, se lhe quiseres chamar assim…
- Um demónio?! Bem, já nada me espanta.
- Não sei como lhe hei-de chamar de modo a que percebas, por isso chamo-lhe demónio. Ela tem a capacidade de se tornar tudo o que desejas…o problema é que não controlamos os nossos desejos…e tu sabes bem que não…
- Não percebo, qualquer pessoa controla os seus desejos…
- Mentira. Tu podes forçar-te a ti próprio a desejar alguma coisa…mas não vem do teu íntimo, e um demónio como a minha mãe cheira essa diferença como um cão de caça…
- Então mas não percebo, quando eu vim a tua casa a primeira vez…
- Desejaste ver-me nua, e foi isso que viste. Na verdade era ela quem estava à tua frente…
- Que vergonha…
- Não te preocupes, eu compreendo. A maior parte das pessoas nem imagina quais são os seus desejos mais íntimos até os ver materializados à sua fren…
- Eh pá, o que foi isto?
- Shhhhhh!



- É a minha mãe!!

2 de maio de 2010

IX - Madalena

- “Valeu a pena”. Mas que raio queria ele dizer com isto?
- Não sei, Carlos. Mas vou descobrir.
- Como? O homem está morto…
- Vou falar com ela outra vez. Ela tem alguma coisa a ver com isto. Tenho a certeza...
- Amigo, vê lá no que é que te metes.
- Devo-te pelo menos isto. Já que sou responsável por isto.
- Não deves nada. Não ligues ao que disse a minha mãe, ela está, obviamente, transtornada com tudo isto.
- Carlos, agradeço a tua compreensão, mas tenho que fazer isto...e já sabes, se me acontecer alguma coisa…
- Cala-te! Nem quero pensar nisso…
- Se me acontecer alguma coisa, sabes aonde é que eu fui.



Naquele dia Gabriel subiu o monte a correr, sem que o cansaço ou o medo o atingissem. Tinha uma missão. Sentia-se na obrigação de remediar o mal que havia causado a pessoas inocentes. Sentia o vento fustigar-lhe a face, cada vez mais forte. Sentiu que uma lágrima de raiva forçava a fuga do seu olho, mas conteve-a. Não se perdoava a si próprio. A voz da Dª Conceição teimava em permanecer-lhe na memória. Quando finalmente avistou a casa verificou, com espanto, que ela já o esperava, à porta. A raiva que sentia, estranhamente, dissipou-se à primeira vista dos olhos daquela mulher. Ela convidou-o a entrar e ele, embora não quisesse fazê-lo, anuiu. Perplexo, verificou, após alguns minutos de conversa, o quanto tinha andado enganado. A mulher que tinha visto nua, não era aquela que ali estava. A mulher que tinha visto no seu sonho, não era aquela. Tentou perceber, em vão, a sua confusão. Quem era afinal a mulher que estava à sua frente e quem era, afinal, essa outra mulher?

- Não entendo.
- Admito que seja difícil para ti, Gabriel.
- Na verdade, acho que até faz algum sentido…
- A pessoa que viste nua, aqui em casa, não era eu…
- Mas era igual a ti, eu vi…
- Viste o que quiseste ver…
- Como assim…
- A pessoa que viste é a minha mãe!
- Impossível! Não pode ser!
- Não só pode, como é…
- A tua mãe não pode ser tão nova…
- Bem, Gabriel, há algo que tenho que te contar acerca da minha mãe…