14 de abril de 2009

Tragédia Portuguesa

Nós, seres humanos, temos uma propensão absurda para tragédia. Interessa-nos de sobremaneira tudo o que é desgraça. Nós, portugueses, não temos propensão para a tragédia, nós simplesmente vivemos para ela.
Não nos interessa um documentário na televisão acerca de uma qualquer mulher de grandes méritos. Podiam ressuscitar Joana d'Arc para ser entrevistada em directo e ninguém ia querer saber. No entanto, colocamos uma quase desconhecida num documentário que acompanha os últimos dias da sua vida inútil e repleta de momentos...insignificantes e "voilá"! Audiências! Comentários pelas mais diversas figuras públicas em inúmeras revistas da especialidade (partindo do princípio de que a ineptidão é uma especialidade). Porquê? Porque adoramos ver. Somos "voyeurs" profissionais, mas selectivos. O tema só nos interessa se for, de facto, incrivelmente invasivo. Um documentário televisivo em que podemos acompanhar alguém até à morte é perfeito para nós. Podemos brincar às opiniões, afirmando com ar entendido no café: "É um acto de coragem, eu fazia o mesmo!" ou "Acho que ela ama mesmo muito os filhos, é uma mãe exemplar!"
Com franqueza, isto é exactamente a mesma coisa que parar junto a um acidente e dizer, com o mesmo ar entendido: "Tem ali arranjo para 600€!"
Diz-se que a tragédia é grega mas eu digo que é portuguesa.
Eu, pessoalmente, também convivo bem com a tragédia, deliro com ela. Mesmo a que acontece na minha vida ou à minha volta faz-me rejubilar.
Em Portugal gostamos, de facto, de tragédia, mas na vida dos outros, e quando chega a nossa vez não sabemos o que fazer, choramos desalmadamente, somos fracos, sentimos pena de nós próprios e rezamos, como nunca, para que ninguém tenha a fome dos abutres, como nós outrora tivemos.
Aconselho vivamente os documentários em fim de vida porque resultam financeiramente. Se eu tiver a infelicidade (ou não) de saber quando vai acabar a minha existência talvez faça um. Fala-se em morte assistida quando se pensa em eutanásia, mas para mim a morte assistida é isto. Nunca foi a morte tão assistida.

6 de abril de 2009

Acordados?

O que são os sonhos? Pergunto-me várias vezes. O meu sono conturbado obriga-me quase a viver duas vidas de tanto que sonho (intriga-me o facto de termos que usar o verbo sonhar mesmo quando se tratam de pesadelos: posso dizer que hoje sonhei mas não posso dizer que hoje "pesadelei" que é o que me acontece com mais frequência). No meu caso, adormeço a querer abrir os olhos e acordo por vezes a querer fechá-los. Parece que nunca estou como devia. E a noite, essa, é mais agitada do que muitos dos meus dias. Adoro pesadelos. Adoro a sensação de acordar com a sensação de ter as mãos cheias de sangue que no segundo seguinte desapareceu; a sensação de cair de um prédio de 10 andares e acordar antes de embater no asfalto; a sensação de fugir da morte, noite após noite, escapar às suas garras eternas sem, na verdade, nunca estar em perigo. Ou será que estive?
O meu escritor nacional de eleição, Mário de Sá Carneiro, acreditava que o perigo, em sonhos, não deixava de ser real. Disse-o colocando as suas ideias no cérebro de um personagem fantástico que criou. Não me quero enganar, mas julgo que o seu nome era Professor Ventoinha. Ele acreditava que aquilo que vivíamos em sonhos, e o que vivíamos durante o dia, no quotidiano, eram vidas paralelas. Era esta a sua explicação para a sensação estranha, mas comum, de "déja vu" que julgo já nos ter assolado a todos, pelo menos uma vez na vida. Ele acreditava que tínhamos que viver uma vida durante o sono para que o tempo e o espaço não colidissem, mas acima de tudo que a nossa massa corporal não existisse em simultâneo em duas vidas, o que significaria a morte. Rebuscado? Não sei. Imaginem que de facto existem duas vidas que vivemos, que durante o sono saímos de dentro desta embalagem e vamos preencher outra, noutro mundo. Não tem que ser uma embalagem igual, não temos que ser nós outra vez. O escritor defendia que o corpo que teríamos na vida paralela não seria o mesmo, mas nós, na impossibilidade cerebral de nos imaginarmos diferentes, teríamos que nos lembrar dos sonhos sendo iguais a nós próprios. Imaginem só o mundo de possibilidades que esta ideia, quase absurda acaba por nos trazer à mente. A imaginação é a nossa arma mais poderosa, não tenho dúvidas disso. Há duas coisas que distinguem a competência simples da genialidade absoluta: a imaginação e a criatividade. Ah, é verdade, esqueci-me de contar, o Professor Ventoinha passou os seus dias a tentar descobrir uma forma de sonhar acordado, de unir as suas duas existências, e conseguiu. Morreu nesse preciso instante. Puxem pela vossa imaginação e descubram só que vidas viverão enquanto aqui dormem. Alguma vez morreram em sonhos? Eu não, nunca, e pergunto-me porquê? Talvez eu tenha duas existências, mas apenas uma vida. Agrada-me saber que, uma vez que detesto dormir, não estarei a perder o meu tempo, não desta forma. A ideia pode ser ridícula, do ponto de vista científico sê-lo-á certamente, mas é a melhor ideia que já ouvi ou li acerca dos sonhos e é aquela em que escolho acreditar. Mas isto leva-me a outra questão interessante. Enquanto aqui escrevo, neste preciso momento, naquela que eu acredito ser a minha vida, não estarei antes num sonho? Não será esta a vida paralela? Não terei outra existência real e isto é só, o que na outra vida, vou contar pela manhã aos colegas no trabalho: "Porra, pessoal, hoje tive um sonho estranho..."