22 de março de 2009

Sonhei...

Esta noite sonhei contigo. Bebias descontraída um café numa esplanada e eu observava-te, de longe, sem que desses por mim. Discretamente penteavas o cabelo sempre que passava alguém. Alguém que, pelo menos, pudesse ser do teu interesse. Folheavas uma revista, fútil em todos os teus gestos, estavas a matar tempo, claramente. O vento trazia-me o teu cheiro e eu não resisti, fui ter contigo, no meu sonho eu fui ter contigo. Ficaste feliz por me ver, pelo menos pareceste feliz depois da surpresa inicial. Falámos durante alguns minutos e parecias radiante quando te inclinaste para me beijar. Acordei.
Olho rapidamente para o lado, na cama, e ainda lá estás. Respiro de alívio. Deixaste de respirar há pouco mais de duas horas e pareces ainda libertar um estranho calor. Os teus olhos vítreos, petrificados, quase simulam um brilho próprio, mas não serão mais do que o reflexo do brilho que pousa nos meus. Estou feliz. Estás a meu lado. Ter-te assim, inerte e ausente, dá-me tempo para te ver, para te ver realmente, em detalhe, examinar-te, beijar-te, amar-te. Esvaziei-te de tudo o que não prestava em ti, limpei-te, formatei o teu corpo. Deixei apenas a obra, a arte, e eliminei tudo o resto, risquei o que não interessava. Ficaste tu. Que culpa tenho se te perdeste no caminho. Que culpa tenho se apenas sem vida permaneces pura. Agora és minha. Possuo-te.

3 comentários:

Balhau disse...

Às vezes dá vontade de matar certas gajas dá... Um conselho a seguir.
:D

Miss I disse...

Eu tenho este blog no feed por isso já tinha lido o texto antes, não comentei porque não tinha mesmo palavras. Mas como hoje tenho o funeral de alguém relativamente próximo, acho que posso escrever qualquer coisa.

As sensações que um corpo morto me provocam são quase sempre de indiferença porque sinto que não está ali nada senão a "embalagem". No teu texto isto é completamente ao contrário, a falta da pessoa em si torna o corpo puro e despojado de impurezas... uma boa reviravolta no meu estado de espírito.

Goth Mortens disse...

Eu sinto exactamente o contrário. É o desaparecimento da alma, da pessoa que conheci, do "recheio", que me deixa habitualmente indiferente. Não consigo ficar indiferente à "máquina" desligada, desprovida das funções de outrora. Intriga-me.